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sábado, 24 de junho de 2000

Projeto Genoma Humano (PGH)

Síntese e adaptação de texto contido em: MOTA, Sílvia M. L. Da bioética ao biodireito: a tutela da vida no âmbito do direito civil. 1999. 308 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil)–Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999. Orientador: Professor Vicente de Paulo Barretto. Aprovada com distinção. Não publicada.


INTRODUÇÃO

Subsistem estágios nos anais das ciências, onde os conhecimentos evoluem de tal modo, que chegam ao ponto de transfigurar a compreensão que se tem do mundo. Foi o que ocorreu com as descobertas sobre o genoma humano, compêndio de todas as instruções genéticas herdadas pelo bebê no momento da concepção.

Uma série de fatos interessantes e dignos de investigação revelam-nos o alcance das imensas perturbações culturais, econômicas, políticas, sociais e jurídicas que escoltam os rápidos avanços das ciências da vida. Para melhor entendimento, faz-se necessário, citar o nascimento da revolução genética, que inicia com a organização da biologia molecular, para em seguida adentrar nas polêmicas que envolveram o Projeto Genoma Humano.

DESENVOLVIMENTO

Genoma humano

A palavra genoma foi criada em 1920 por Winkler, onze anos após o termo gen ser criado por Johanssen, para indicar o total da soma de genes de um organismo. Durante muitos anos não foi considerada útil pelos geneticistas nem pelos citogeneticistas; os primeiros interessavam-se pelos genes e os segundos pelos cromossomas. A partir da década de 70, o grande desenvolvimento trazido pela biologia molecular conduz a um maior emprego da palavra genoma.[1] Considerado a herança que decidirá grande parte do desenvolvimento futuro do novo ser, determinar-lhe-á, o genoma, desde a cor dos olhos ou se sofrerá ou não, no futuro, de uma doença potencialmente mortal.[2]

Biologia molecular

A biologia molecular é entendida como a verdadeira frente avançada do horizonte da biologia, isto é, a última modalidade de descrição biológica, o nível pertinente (após o qual os outros níveis seriam não especificamente biológicos: orbitais, moleculares, forças de ligação, e assim até chegar às forças nucleares ou aos níveis quânticos dos elétrons).[3] Não obstante, tenha suas origens em séculos pretéritos, onde espocam os nomes de Aristóteles e Galileu, de Vesálio e Descartes e também os dos grandes naturalistas comparativistas do século XVII e do século das Luzes, entre esses, Linné, Adanson, Buffon, Cuvier e Geoffroy Saint-Hilaire, parece geralmente admitir-se que a genética nasceu em meados do século XIX com os trabalhos de Mendel. Mas, deve-se salientar, somente no século XX afirmou-se como ciência autônoma.

Em 1900, redescobriram-se os princípios que regem a transmissão dos caracteres biológicos hereditários colocados em relevo por Mendel. Em 1944, Ostwald Avery, Mc Lead e Mc Carty derrubam o pensamento, até então dominante, de que os portadores do material genético eram as proteínas cromossômicas, revelando que ao DNA (ácido desoxirribonucleico) cabia a função de guardar a herança genética dos seres vivos. Descobertas apreciáveis marcaram os progressos, tais a elucidação, em 1953, da estrutura em hélice dupla do ADN, por Francis Crick e James Watson; o esclarecimento, nos anos 60, da função do ARN mensageiro, por François Gross, François Jacob e Jacques Monod; o surgimento, na década de 70, das técnicas da engenharia genética e, mais proximamente, a propagação das novas atividades de cartografia física e genética[4], além das inovadoras e polêmicas experiências com a clonagem.[5] Essas transformações constituem um marco na história científica e na história da humanidade, ao permitir que o ser humano, pela primeira vez, imiscua-se no processo da hereditariedade, metamorfoseando a estrutura genética da sua própria espécie e, mais além, ambicionando cinzelar seres absolutamente idênticos.[6] Foi de essencial valor o final de milênio, quando o homem, no fraseado de Oswald Spengler: “[...] arrebatou à Natureza o privilégio da criação.”[7]

Projeto Genoma Humano

Tema relevante na reflexão da bioética, o Projeto Genoma Humano (PGH)[8], propôs-se a sequenciar os 3,1 bilhões de bases nitrogenadas do genoma humano. O genoma é o conjunto de DNA de um ser vivo, e o DNA é formado pela ligação sequencial de moléculas denominadas nucleotídeos, constituídos por três componentes: a molécula de fosfato, a molécula de açúcar, denominada desoxirribose e a base nitrogenada. As bases nitrogenadas podem ser de quatro tipos: adenina (A), timina (T), citosina (C) e guanina (G). A ordem com que os nucleotídeos são dispostos no DNA é que faz com que uma molécula se diferencie da outra. Essa diferença pode ser determinada através do sequenciamento dos genomas. Sendo as moléculas de fosfato e açúcar sempre as mesmas, a ordem da sequência é oferecida pelas bases nitrogenadas.

Com início em 1990 e chamado de o Santo Graal[9] da biologia contemporânea, foi o maior, mais ambicioso e mais caro projeto biológico da história.[10] Consórcio público internacional, liderado pelo National Human Genome Research Institute (NHGRI), subordinado ao National Institute of Health (NIH) dos Estados Unidos, cujas raízes fincaram-se nos EUA, contou com os esforços de outros países tais como Japão, China, Canadá, Austrália e na Comunidade Econômica Europeia (CEE), fundamentalmente na Grã-Bretanha e França. A CEE iniciou o programa apoiado por 35 laboratórios e financiado por 20 milhões de dólares. O projeto reuniu cientistas e laboratórios de todo o mundo desenvolvido, originando informações que seguem, ainda hoje, a provocar inúmeras discussões éticas e jurídicas. Embora se falasse de um projeto globalizado, os Estados Unidos participaram com dois terços da pesquisa; Inglaterra, França, Alemanha, Canadá e Japão com quase todo o restante de projetos, sendo pouco significativa a participação dos outros países.

Na abertura do projeto, estimaram-se gastos totais da ordem de três bilhões de dólares para o sequenciamento de genes humanos. Entre 3 e 5% dos gastos anuais, seriam alocados em programas de pesquisas no campo social e da ética, segundo diretiva do Conselho Consultivo do PGH - Human Genome Organization - conhecido como HUGO. Tal percentagem representava um volume de recursos nunca antes proposto para estudos bioéticos ou pesquisas socioantropológicas sobre a inovação biotecnológica. Pode-se inferir a enormidade dos problemas éticos e sociais previstos nos estudos genéticos a partir do PGH.

Essa linha de investigação ficou conhecida como ELSI Program (Ethical, Legal and Social Implications of the Human Genome Project). Centralizado junto à coordenação americana do PGH, o Programa ELSI adotou uma orientação específica - visava uma alfabetização bioética sobre a pesquisa do genoma e as possíveis intervenções genéticas sobre seres humanos. Seu objetivo basilar era o treinamento de alto nível de professores e pesquisadores universitários, oriundos tanto das ciências humanas como das biomédicas, capazes de reproduzir para estudantes de graduação os conteúdos e a forma de problematização, pelo menos em linhas gerais, propostos pela coordenação central do PGH. O Programa ELSI foi talvez o mais relevante subprojeto do PGH, pois aventava problemas suscitados a partir de todos os outros subprojetos provenientes do PGH, como os estudos do câncer, o Projeto Genoma da Diversidade Humana, a genética comportamental, entre outros. O PGH promoveu um novo ethos científico, no qual a produção de conhecimento e a biotecnologia seriam indissociáveis de uma permanente vigilância ética.[11]

Os genes ditam o destino pessoal dos seres humanos e também o destino da sua evolução como espécie. Assim, o objetivo central do PGH era o sequenciamento completo do genoma humano - projeto ousado no campo das ciências biomédicas, motivado por um ímpeto de investimento em pesquisas genéticas, a impulsionar pesquisas relacionadas à Biologia Molecular. No relativo ao sequenciamento, o objetivo era construir uma base de dados que contribuísse para a medicina no campo das síndromes relacionadas à exposição de radiação.[12] A identificação e o mapeamento de todos os genes e o sequenciamento dos três bilhões de pares de base que constituem o genoma humano, colocavam-se como imprescindíveis para as descobertas de novas ferramentas diagnósticas e de novos tratamentos para doenças de etiologia genética e a transferência de conhecimento para outras áreas, por exemplo estimulando o desenvolvimento da biotecnologia moderna na agricultura e zootecnia.[13]

A validade dessa big-science biotecnológica, sofreu contestação superveniente dos prognósticos agourentos de que não passava de pura futurologia. Argumentava-se que os dois bilhões de libras aplicados em sua implementação estariam mais bem empregados em projetos científicos menores, cujos resultados seriam mais exequíveis e realistas, além de se temer por um mundo povoado de frankensteins e desfigurado por uma nova eugenia.

Contudo, ao avesso da crítica, o desígnio de cartografar o genoma humano, previsto para o ano 2005, cumpriu sua meta antecipadamente, alheio às dificuldades encontradas[14], o que provocou o Direito a reconhecer a tempo a questão, regrando as práticas dali advindas. Com os dados obtidos, a comunidade científica iniciou uma disputa ainda mais inquietante - a de determinar a função exata de cada gene para, em seguida, através da engenharia genética, iniciar a correção dos defeitos e impedir a manifestação das doenças genéticas.

Inúmeras foram as questões suscitadas pelo Projeto Genoma Humano. Seria no futuro o mapa genético do cidadão solicitado quando da procura de emprego ou para a concessão dos seguros de vida? Quanto à divulgação dos resultados científicos: como conciliar os interesses da tecnologia e da ciência, se à última cabe como dever promover-lhes a divulgação, de modo a que todos tenham acesso às informações e, à tecnologia, conduzida ao sabor do imperioso poder econômico, interessa mantê-los no mais absoluto sigilo? Seria possível o patenteamento do genoma humano? A responder essas questões, de um lado, colocaram-se as empresas, disputando os lucros junto aos cientistas que almejavam projeção do seu nome e, do outro, edificaram-se aqueles investigadores que acreditavam no genoma humano como patrimônio do Homem e, portanto, longe das ambições sugeridas pelo poder econômico.[15]

A verdade é que não se pode ignorar que, desde então, está o desenvolvimento da nova medicina - como saber - desgarrado da função que lhe foi outorgada durante toda a história da humanidade, ou seja, a de ser incorporado nas consciências, nas mentes e nas vidas humanas.[16] O novo saber científico nasce em depósitos de bancos de dados, que são manipulados de acordo com os meios e segundo as decisões das grandes potências.

Por sua própria natureza, o Projeto Genoma Humano cercou-se de incertezas éticas, legais e sociais. Em resposta a esse reconhecimento, dedicou 10% do seu orçamento total à discussão desses temas [17], dos quais se destacavam a privacidade da informação genética, a segurança e eficácia da medicina genética e a justiça no uso da informação genética.[18] A esperança da sua eficácia movimentou inúmeros investigadores. O prêmio Nobel James Watson afirmou: “[...] nunca se encontrará um conjunto de livros de instrução mais importante.”[19]

No Brasil, o projeto recebeu apoio principalmente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT).

Entre 1995 e 1997, engenheiros genéticos, sob a coordenação da professora do Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP), Mayana Zatz, localizaram dois genes ligados a uma forma grave de Distrofia de Cintura e a uma mutação genética no cromossomo 21, responsável por uma cegueira progressiva conhecida como síndrome de Knoblock, que acometia membros de uma família do município de Euclides da Cunha, no estado da Bahia. Essa conquista, ambicionada por cientistas de todo o mundo e apoiada pela FAPESP, foi uma das primeiras contribuições do Brasil ao Projeto Genoma Humano (PGH).[20] Reunidas em um banco de dados, as informações foram disponibilizadas aos pesquisadores de todo o mundo.

Recursos técnico-científicos oferecidos pelo Projeto Genoma Humano

Alcançado esse momento, era urgente distinguir dois grandes pontos: o da obtenção de informação a partir dos genes de uma espécie ou de um indivíduo (diagnósticos genéticos) e o da manipulação, que vem a ser o trabalho direto com os genes (terapia genética).

Com referência à possibilidade de obter a própria identidade genética, ressalta-se que o genoma de James Watson foi decifrado, com a sua permissão. Identificou 12 mutações recessivas, recessivas, o que está de acordo com as estimativas da carga de mutação de um indivíduo típico. À medida que a base genética das doenças comuns é decifrada, nenhum ser humano estará livre das doenças genéticas.[21] Em 2008, um grupo de cientistas nos Estados Unidos divulgou o conteúdo completo do DNA de James Watson -- todos os 6 bilhões de letras químicas -- numa publicação no periódico científico Nature.[22]

Diagnóstico genético

O diagnóstico genético é apenas um dos resultados da revolução genética ocorrida nos últimos anos. Além da compreensão genérica da hereditariedade humana, gera informações específicas sobre a herança genética dos indivíduos. Pessoas que possuem um gene anômalo correm o risco de desenvolver a doença correspondente em determinada época da vida ou de transferi-la para a sua descendência. Aqui reside a polêmica, pois o diagnóstico pode ser feito meses, anos, ou até mesmo décadas antes da manifestação dos primeiros sintomas e a presciência dessas possibilidades gera um angustiante e intolerável conflito nos pais, se o diagnóstico for feito durante a gestação de um filho, ou no indivíduo que, através do exame, constate o risco de desenvolver a doença futuramente. Esse tipo de diagnóstico está disponível muito antes de haver qualquer tratamento para as doenças diagnosticadas. É de sabença, que existem diversas situações para as quais os médicos diagnosticam doenças incuráveis, mas a doença já se instalara tendo o paciente sofrido os primeiros sintomas.

Com o aumento da disponibilidade dos testes genéticos, foi preciso cuidado na sua correta aplicação, principalmente em nível populacional pois havia um consenso internacional de que o diagnóstico das doenças de início tardio e ainda sem tratamento não devem ser realizados em crianças assintomáticas. Contudo, verificava-se que muitas crianças eram testadas no Brasil e no exterior, o que exigia um exaustivo controle na interpretação dos resultados, uma vez que um erro poderia levar a conclusões inadequadas.

Deveriam destacar-se os critérios rigorosos quanto à qualidade e o conhecimento suficiente do gene. Além disso, questionava-se se estaria a população preparada para compreender e realizar esses testes. Algumas experiências, no passado, atormentavam o imaginário dos cidadãos, afastando-os de um diagnóstico que, tantas vezes, poderia ser-lhes útil na conquista de uma melhor qualidade de vida que atingiria também a sua descendência.

Na década de 50, o diagnóstico pré-natal incorporou-se à medicina dos países desenvolvidos e iniciou-se no Brasil no final dos anos 70. Procedimento ainda considerado relativamente caro, cresceu rapidamente devido à interação estreita do uso da ultrassonografia e dos métodos laboratoriais básicos da genética, que propiciaram a invasão do ninho fetal, por meio da qual tornou-se possível obter material do produto gestacional e, assim, proceder aos diagnósticos cada vez mais precisos.[23] Com o aprimoramento dessas técnicas, a Medicina desenvolveu métodos de tratamento intrauterino e de correções fetais, que conduzem a esse novo e promissor campo denominado Medicina Fetal.

Amplo é o aspecto de possibilidades diagnósticas oferecidas pelo diagnóstico pré-natal [24]: tranquilizar os pais com antecedentes de alto risco quanto a que o feto não apresenta ou não apresentará malformação ou enfermidade alguma; permitir o tratamento cirúrgico e medicamentoso do feto para curar ou amenizar os defeitos que possa apresentar; através da terapia fetal, indicar o modo de realizar o parto de acordo com as malformações que apresente o feto; determinar o tratamento que deverá ser seguido após o parto ou no decorrer da vida; adotar a decisão do aborto eugênico; decidir o aborto como método de seleção do sexo [25], assumir a criança que provavelmente apresentará anomalias ou preparar os trâmites legais para a sua adoção por terceiros ou seu ingresso numa instituição para crianças abandonadas.[26] A decisão sobre qualquer dessas opções, dependerá das convicções pessoais dos pais e da sistemática jurídica de cada país.

O diagnóstico pré-natal apresentou e ainda apresenta características ambivalentes quanto ao nascituro, pois beneficia seu desenvolvimento vital durante e após a gravidez, como também leva a que se decida pelo seu aborto. Salienta-se, entretanto, que vários centros do mundo que realizam diagnóstico pré-natal mostraram que a legislação a favor da interrupção da gestação no caso de fetos certamente portadores de genes deletérios, reduziu significativamente o número dos abortos em famílias com risco genético. Isso porque, muitos casais decididos a interromper uma gravidez no caso de um feto “em risco” deixaram de abortar quando o diagnóstico pré-natal de certeza comprovou um feto normal para aquela doença.[27]

Com referência aos deficientes, muitos profissionais ignoram as evidências sociais de superação dos indivíduos postos em desvantagem pela roleta russa da natureza e insistem em dizer que as pessoas deficientes felizes são exceções.

James Watson ilustra o pensamento aqui expresso:

[...] o que é mais provável: que essas crianças fiquem para trás na sociedade ou que por meio de sua doença desenvolvam a força de caráter e a firmeza que as levarão [...] a ir mais longe que os outros? Aqui, tenho receio de a palavra ‘deficiente’ não poder escapar de sua verdadeira definição, ou seja, estar em condição de desvantagem. A partir desta perspectiva, ver o lado bom de ser deficiente é como exaltar as virtudes de ser extremamente pobre. Com certeza, há muitos indivíduos que conseguem se reerguer de seu estado de degradação, mas, se formos mais realistas, veremos que esta atitude é a origem de um comportamento antissocial.[28]

Não me coloco em oposição aos testes pré-natais e ao aborto seletivo, se comprovada a gravidade da malformação que acompanha o feto e a impossibilidade de evitar-lhe grande sofrimento, antes ou após o nascimento. Por outro lado, selecionar a vida nascente com fulcro na mera deficiência, que permite ao ser humano desfrutar vida digna, ainda que reduzida sua capacidade se confrontada à vida de outro indivíduo, é um ato imoral. As limitações não impedem as pessoas de serem felizes. Exemplos pululam na sociedade, dia a dia, a demonstrarem experiências vivenciadas em condições ou proporções diferentes dos indivíduos considerados normais. A contribuição que as pessoas oferecem à sociedade, não se restringe ao fato de serem ou não portadoras de deficiência, mas porque à sua característica física juntam-se os atributos condizentes à sua personalidade, aos seus dons naturais e adquiridos e à humanidade que ostentam.

Terapia genética

Os inventos científicos, através da engenharia genética, ofereceram lugar a diversas intervenções nos componentes genéticos do ser humano e, dentre essas, revela-se a terapia gênica que se refere à cura ou prevenção de enfermidades ou defeitos graves devidos a causas genéticas. Atua-se diretamente nos genes mediante adição, modificação, substituição ou supressão dos genes. As intervenções realizam-se introduzindo no organismo do paciente células geneticamente manipuladas, a fim de que substituam a função das imperfeitas.[29]

As questões bioéticas suscitadas pela terapia genética colocam-se sob dois aspectos distintos em objetivos e consequências. O primeiro, diz respeito à ação de modificar definitivamente o patrimônio genético, e essa mudança gera o conflito fundamental da terapia gênica de células germinativas. O segundo, decorre da possibilidade de danos à saúde advindos dos procedimentos técnicos inerentes à própria transferência do DNA.[30] Os riscos dizem respeito tanto à terapia gênica das células germinativas, quanto à terapia das células somáticas.

O uso da terapia gênica germinal ainda desencadeia perplexidade e discussão, que motivarão o nascimento de regras adequadas e aperfeiçoáveis, ao garantirem que seja aceita como uma ação ética que beneficie os descendentes das pessoas tratadas e, ao mesmo tempo, a geração seguinte como um todo.

CONCLUSÃO

Após esse bosquejo pelas sendas do saber oferecido pela biotecnologia, não se pode ignorar, no momento atual, estar o incremento do novel conhecimento desgarrado da autoridade que lhe foi concedida através dos tempos, para incorporar-se nas consciências, no pensamento e nas vidas humanas. O novo saber científico perdeu a pura neutralidade inicial e passou a ser manipulado conforme os interesses ideológicos das grandes nações.

Por sua própria natureza, as pesquisas decorrentes das novas técnicas de engenharia genética, cercam-se de incertezas éticas, legais e sociais. Em resposta a esse reconhecimento, deve-se fomentar a discussão desses temas em todas as áreas do conhecimento, com o intuito de contribuir para a formulação de leis que destaquem a privacidade da informação genética, a segurança e eficácia da medicina genética e a justiça no uso da informação genética.


[1] BERNARDI, Giorgio. El proyecto genoma humano: en defensa de la ciencia basica. In: Fundación Banco Bilbao Vizcaya e Fundación Valenciana de Estudios Avanzados (Org.). Proyecto Genoma Humano: etica. 2. ed. Bilbao: BBV, 1993, p. 255-256.


[2] O desenvolvimento embrionário e a formação de um ser humano são determinados pelos genes. O DNA - ácido desoxirribonucleico, material genético que compõe o homem - contido nos 23 pares de cromossomos em cada uma das células é por demais complexo. Teoricamente, se colocássemos as moléculas de DNA alinhadas elas formariam uma corrente de cerca de um metro de comprimento. Ainda mais surpreendente é a quantidade de informação codificada no genoma. Os genes, sua quantidade e função permanecem ainda uma grande incógnita. Estima-se que o genoma humano tenha 3 bilhões de pares de bases, o que equivale a 750 megabytes de um disco de computador. Há, aparentemente, 50 mil a 100 mil genes estruturais, isto é, genes que codificam alguma proteína. Em média, os genes têm de 1.000 a 200.000 bases (ou 200 kb); contudo há genes muito grandes, como o da distrofina, com mais de 2 milhões de bases. As regiões que codificam proteínas representam uma pequena porção do genoma total. Alguns estudos sugerem que menos de 10% do DNA humano corresponde a estas sequências. O restante do material genético tem função ainda desconhecida. Contudo, nestes últimos anos tem-se demonstrado que estas sequências podem interferir na regulação dos genes. Essas observações: “[...] além de nos mostrarem a complexidade do genoma, indicam a dificuldade de tentar desvendá-lo.” PASSOS-BUENO, Maria Rita. O Projeto Genoma Humano. Bioética, Brasília, v. 5, n. 2, p. 145, 1997.


[3] PRODI, Giorgio. O indivíduo e sua marca: biologia e mudança antropológica. Tradução Álvaro Lorencini. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1993, p. 98. Título original: Il individuo e la sua firma: biologia e cambiamento antropologico. Sobre o nascimento da biologia molecular ver COSTA, Sérgio Olavo Pinto da (Coord.). Genética molecular e de microrganismos: os fundamentos da engenharia genética. Rio de Janeiro: Manole, 1987. Ver também BUICAN, Denis. A genética e a evolução. ed. 101196/4421. Tradução Emílio Campos Lima. Mira-Sintra: Europam, [1987], 118 p. (Colecção Saber, 196). Título original: La génétique et l’évolution.


[4] SCHULER, G. D. et al. A gene map of the human genome. Science, Washington, v. 274, n. 5287, p. 540.


[5] CENTRO prepara nova geração de macacos clones. O Globo, Rio de Janeiro, 4 mar. 1997. O Mundo/Ciência e Vida, p. 32; AZEVEDO, Ana Lucia. Clonagem de Dolly abriu caminho para transplantes de órgãos feitos sob medida. O Globo, Rio de Janeiro, 22 fev. 1998. O Mundo/Ciência e Vida, p. 33; CLONAGEM abre caminho para produzir monstros. O Globo, Rio de Janeiro, 1 mar. 1997. O Mundo/Ciência e Vida, p. 38; AZEVEDO, Ana Lucia, MARQUES, Hugo. Brasil não tem legislação sobre clonagem. O Globo, Rio de Janeiro, 2 mar. 1997. O Mundo/Ciência e Vida, p. 59; GARRAFA, Volnei. Clonagem, ciência e ética. Folha de São Paulo, São Paulo, 2 mar. 1997. Opinião; GODOY, Norton. Se todos fossem iguais a você. Isto é, São Paulo, 5 mar. 1997; CLINTON veta verbas federais para clones. O Globo, Rio de Janeiro, 5 mar. 1997. O Mundo/Ciência e Vida, p. 37; LEMLE, Marina. Criação da ovelha Dolly mobiliza Internet. O Globo, Rio de Janeiro, 9 mar. 1997. O Mundo/Ciência e Vida, p. 57; LEITE, Rogério Cezar de Cerqueira. Clonagem, engenharia genética e ética. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 mar. 1997. Opinião; SOCIEDADE deve discutir clonagem. Folha de São Paulo, São Paulo, 29 mar. 1997. Mundo; HESSEL, Daniel, IOOTTY, Juliana. Clones antecipam o futuro da ciência. O Globo, Rio de Janeiro, 3 abr. 1997. O Mundo/Ciência e Vida, p. 43; CIENTISTAS clonam cinco ovelhas com genes humanos. O Globo, Rio de Janeiro, 25 jul. 1997. O Mundo/Ciência e Vida, p. 35; VIEIRA, Tina. Ovelha transgênica deve baratear pesquisas. O Globo, Rio de Janeiro, 26 jul. 1997. O Mundo/Ciência e Vida, p. 35; WADE, Nicholas. Autenticidade da ovelha Dolly é posta em dúvida. O Globo, Rio de Janeiro, 31 jan. 1998. O Mundo/Ciência e Vida, p. 35.


[6] TÉCNICA possibilita fazer cópia de ser humano. O Globo, Rio de Janeiro, 25 fev. 1997. O Mundo/Ciência e Vida, p. 38; VATICANO pede medidas rígidas contra a clonagem. O Globo, Rio de Janeiro, 27 fev. 1997. O Mundo/Ciência e Vida, p. 40; COMISSÃO diz que lei brasileira já proíbe clonagem humana. Folha de São Paulo, São Paulo, 8 mar. 1997. Ciência; GÊMEOS aumentam polêmica sobre clonagem. O Globo, Rio de Janeiro, 10 mar. 1997. O Mundo/Ciência e Vida, p. 21; PASSOS, José Meirelles. Cientistas clonaram embriões humanos há cinco anos. O Globo, Rio de Janeiro, 10 mar. 1997. O Mundo/Ciência e Vida, p. 21; EUROPEUS rejeitam clonagem humana. Folha de São Paulo, São Paulo, 12 mar. 1997. Ciência; NUNES, Eunice. Clonagem humana é crime e pode levar à prisão no país. Folha de São Paulo, São Paulo, 22 mar. 1997. Leis; PASSOS, José Meirelles. A caminho da era dos clones. O Globo, Rio de Janeiro, 30 mar. 1997. O Mundo/Ciência e Vida, p. 49; MORAES NETO, Geneton. Dolly... terreno desconhecido: Instituto Roslin... garante que cópia humana não sairá de seus laboratórios. O Globo, Rio de Janeiro, 31 mar. 1997. O Mundo/Ciência e Vida, p. 29; EUA devem proibir clonagem de humanos. Folha de São Paulo, São Paulo, 5 jun. 1997. Ciência; CLINTON defende lei que prevê experiência com clone de embrião de ser humano. O Globo, Rio de Janeiro, 10 jun. 1997. O Mundo/Ciência e Vida, p. 36; CLINTON quer proibir clonagem humana. Folha de São Paulo, São Paulo, 10 jun. 1997. Mundo; CIENTISTA garante que clonará ser humano. O Globo, Rio de Janeiro, 21 fev. 1998. O Mundo/Ciência e vida, p. 29.


[7] “A vontade livre é em si nada menos que um ato de rebeldia. O homem criador se libertou dos laços da Natureza e com cada criação nova se afasta cada vez mais dela, torna-se cada vez mais seu inimigo. Isso é História Universal, a história der uma dimensão fatal que se ergue, incoercível, sempre crescente, entre o mundo do homem e o universo - a história de um rebelde que cresce para erguer a mão contra a própria mãe.” SPENGLER, Oswald. O homem e a técnica: contribuição a uma filosofia da vida. Tradução Erico Verissimo. Porto Alegre: Meridiano, 1941, p. 69. Título original: Der Mensch und die technik.


[8] SCHULER, G. D. et al. A Gene Map of the Human Genome. Science, Washington, v. 274, n. 5287, p. 540-546, 25 oct. 1996; NO usarlo para discriminar. Analizan aspectos eticos y sociales. Clarin X, Buenos Aires, oct. 1996; BEIGUELMAN, Bernardo et al. Como enfrentar os problemas éticos do Projeto Genoma Humano? Ciência Hoje, São Paulo, v. 17, n. 99, p. 31-35, abr. 1994; VALLE, Sílvio. A megaciência dos genes. Ciência Hoje, São Paulo, v. 15, n. 88, p. 52-57, mar. 1993; GOLDSTEIN, Daniel. Biotecnologia levada a sério. Ciência Hoje, São Paulo, v. 17, n. 98, p. 58-61, mar. 1994; SALZANO, Francisco. Ética e progresso científico. Ciência Hoje, São Paulo, v. 18, n. 102, p. 72-73, ago. 1994.


[9] Em um país de maioria católica como o Brasil, a figura do Graal é tida, comumente, como a da taça que serviu Jesus durante a Última Ceia e na qual José de Arimatéia teria recolhido o sangue do Salvador crucificado, proveniente da ferida no flanco provocada pela lança do centurião romano Longino ("Ao chegarem a Jesus, vendo-O já morto, não Lhe quebraram as pernas, mas um dos soldados perfurou-Lhe o lado com uma lança e logo saiu sangue e água" - João19:33-34). A Igreja Católica não dá ao cálice mais do que um valor simbólico e acredita que o Graal não passa de literatura medieval, apesar de reconhecer que alguns personagens possam realmente haver existido. É provável que as origens pagãs do cálice tenham causado descontentamento à Igreja. Em Os mistérios do Rei Artur, Elizabeth Jenkins ressalta: "[...] no mundo do romance, a história era acrescida de vida e de significado emocional, mas a Igreja, apesar do encorajamento que dava às outras histórias de milagres, a esta não deu nenhum apoio, embora esta lenda seja a mais surpreendente do ponto de vista pictórico. Nas representações de José de Arimatéia em vitrais de igrejas, ele aparece segurando não um cálice, mas dois frascos ou galheteiros." Alguns tomam o cálice de ágata que está na igreja de Valência, na Espanha, como aquele que teria servido Cristo mas, aparentemente, a peça data do século XIV. Independente da veneração popular, esta referência é fundamental para o entendimento do simbolismo do Santo Graal já que, como explica a própria Igreja em relação à ferida causada por Longino: "[...] do peito de Cristo adormecido na cruz, sai a água viva do batismo e o sangue vivo da Eucaristia; deste modo, Ele é o cordeiro Pascal imolado."


[10] SCHWARTZ, Robert. Genetic knowledge: some legal and ethical questions. In: Birth to death: science and bioethics. Cambridge: Cambridge University, 1996, p. 23.


[11] CORRÊA, Marilena V. O admirável Projeto Genoma Humano. Physis: revista saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 281, 2002.


[12] GÓES, Andréa Carla de Souza; OLIVEIRA, Bruno Vinicius Ximenes de. Projeto Genoma Humano: um retrato da construção do conhecimento científico sob a ótica da revista Ciência Hoje. Ciênc. Educ., Bauru, v. 20, n. 3, p. 561-577, 2014.


[13] COLLINS, F., GALAS, D. A new five-year polan for the U. S. Human Genome Project. Science, Washington, n. 262, p. 43-49, 1993.


[14] Em 1994 foi publicado o primeiro mapa genético, com marcadores polimórficos a cada 10-20 cM e, em 1996, o projeto atinge uma de suas primeiras etapas, ao divulgar um mapa genético contendo marcadores com intervalo de 2-5 cM. Esse grande número de marcadores permite mapear o gene numa região bastante específica, o que certamente facilitará sua identificação. Ainda em 1996, concluiu-se o sequenciamento do primeiro eucarionte, o da levedura Saccharomyces cerevisae. O Projeto Genoma Humano alcança a metade dos quinze anos previstos com apenas 3% do código genético humano decodificado. Dos nove centros americanos envolvidos no projeto, apenas um, o Centro de Sequenciamento do Genoma, em Saint Louis, está decifrando o DNA num ritmo significativo. Há somente mais uma instituição no mundo com o mesmo desempenho: o Centro Sanger, na Inglaterra. Juntos, os dois centros revelaram a metade das 106 milhões de letras do DNA humano já conhecidas. CIENTISTAS se atrasam na corrida para decifrar o código genético do homem. O Globo, Rio de Janeiro, 2 abr. 1998. O Mundo/Ciência e Vida, p. 43.


[15] Reagindo à concorrência de companhias privadas, líderes do Projeto Genoma Humano, nos EUA, propuseram-se a acelerar as pesquisas médicas e assegurar que grandes parcelas do mapa genético continuassem pertencendo ao domínio público, não sujeitas a patentes ou a outros acordos comerciais restritivos. PROJETO genoma humano vai acelerar pesquisas. O Estado de São Paulo, São Paulo, 19 set. 1998.


[16] MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Edição rev. e mod. Tradução Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória. Rio de Janeiro: Bertrand, 1996, p. 127. Título original: Science avec conscience.


[17] PENA, Sérgio D. J. Conflitos paradigmáticos e a ética do projeto genoma humano. Revista USP, São Paulo, n. 24, p. 68-69, dez./jan./fev. 1994-1995. Dossiê genética e ética.


[18] COLLINS, F., GALAS, D. A new five-year polan for the U. S. human genome project. Science, Washington, n. 262, p. 43-46, 1993.


[19] WATSON, James D. The human genome project: past, present and future. Science, Washington, v. 248, p. 44-49, 1990.


[20] SEGATTO, Cristiane. USP localiza sexto gene da distrofia muscular. O Estado de São Paulo, São Paulo, 1 mar. 1996. Geral.

[21] SCHAEFER, G. Bradley; THOMPSON JR., James N. Genética médica: uma abordagem integrada. Porto Alegre: AMGH Editora, 2015, p. 176.

[22] NOGUEIRA, Salvador. Cientistas divulgam genoma completo de James Watson, pioneiro do DNA. G1: ciência e saúde. Globo.com, Rio de Janeiro. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL404172-5603,00-cientistas+divulgam+genoma+completo+de+james+watson+pioneiro+do+dna.html. Acesso em: 3 fev. 2017.


[23] PINTO JÚNIOR, Walter. Diagnóstico pré-natal. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 143, 2002.


[24] O exame pode ser feito a partir da análise das células fetais presentes no líquido amniótico, obtido por amniocentese a partir da 16ª semana de gestação, tornando-se rotina nos casos de riscos e anomalias. A técnica é confiável e com baixos riscos de complicações (0,5%). Como desvantagem assinala-se o tempo que demoram para serem divulgados os resultados dos estudos cromossômicos (3 a 4 semanas), causando assim uma ansiedade para a gestante e a interrupção de gravidez entre 20 e 25 semanas quando os resultados são positivos. Surge então uma alternativa com a análise da biópsia das vilosidades coriônicas, tecido placentário de idêntica constituição genética que o embrião, que permite realizar o diagnóstico pré-natal das enfermidades cromossômicas, hemoglobinopatias e algumas metabólicas. Para se obter uma amostra do vilocorial, raspa-se o córion, a estrutura externa do útero, constituída por células fetais e cujo estudo permite um diagnóstico similar de anomalias cromossômicas, que pode conseguir-se em torno das 12 semanas. Deve-se fazer referência à ecografia que, através de ondas sonoras, permite conseguir imagens do feto, informando sobre a sua condição intrauterina. A fetoscopia consiste na introdução de um aparato ótico no interior da bolsa amniótica com a finalidade de visualizar diretamente o feto. Os grandes avanços do Projeto Genoma Humano tornam possível, mediante as chamadas sondas genéticas, tomar um embrião de poucas células e extirpar uma, congelando as demais. Uma inquirição a essa única célula permite determinar o sexo do embrião e evita, por exemplo, o desenvolvimento de embriões do sexo masculino que são particularmente afetados, entre outras doenças genéticas, pela hemofilia ou a Distrofia Muscular de Duchenne. RAMOS, Jorge Hernandez et al. Biópsia coriônica: resultados perinatais e citogenéticos. Jornal Brasileiro de Ginecologia, n. 104, p. 439, nov./dez. 1994.


[25] A tradicional preferência pelos filhos do sexo masculino acarretou, na Índia, uma lamentável distorção do diagnóstico pré-natal, da mesma forma que ocorrera anteriormente na China por motivos econômicos. Existem ali clínicas particulares onde pacientes de grande poder aquisitivo submetem-se a exames para determinar o sexo do filho que irá nascer ou, muitas vezes interromper a gravidez se estiverem esperando uma filha. Todas as tentativas de impor uma legislação nacional que proibisse esta prática sucumbiram. Ver periódico da UNESCO.


[26] POWLEDGE, V. Tabitha M., FLETCHER, John. Recommandations concernant les problèmes moraux, sociaux et juridiques relatifs au diagnostic prénatal. Cahiers de Bioéthique, Québec, n. 2, 1980.


[27] ZATZ, Mayana. Projeto Genoma Humano e ética. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 14, n. 3, p. 51, 2000.


[28] WATSON, J. D. President’s Essay: genes and politics. Annual Report Cold Springs Harbor, p. 19, 1996.


[29] A primeira terapia gênica bem-sucedida em nossa espécie, foi aplicada à duas meninas que nasceram com uma doença grave conhecida como SCID, forma de imunodeficiência genética combinada grave, que as deixava sem defesas e em risco de vida constante, pois seu sistema imunológico era incapaz de vencer qualquer micróbio. A causa da doença é a incapacidade genética do organismo de produzir uma enzima chamada adenosina deaminase (ADA), que desempenha importante papel no combate às infecções. Por anos, obrigadas a viver dentro de bolhas de plástico completamente esterilizadas, levam hoje uma vida normal. A terapia gênica somática aplicada às meninas não tem aplicação eugênica pois as células germinais (reprodutoras), que levam os genes para os descendentes, não são atingidas. Atualmente, a terapia gênica tenta corrigir defeitos genéticos apenas nas células somáticas, por exemplo, do sangue ou dos músculos. Sobre essa técnica ver: BLAESE, R. Michael et al. T. Lymphoyte-directed gene therapy for ADA-SCID: initial trial results after 4 years. Science, Washington, v. 270, n. 5235, p. 475-480, 20 oct. 1995; KAPLAN, Jean-Claude, DELPECH, Marc. Biologie moléculaire et médecine. 17- La thérapie génique, Paris: Flammarion, [s.d.], p. 397-409; VENTURA, Marco. Normes pour la thérapie génique: la laïcité de l'Etat face au défi bioéthique. International J. of Bioethics/Jal. Intern. Bioéthique, v. 6, n. 1, p. 49-54, 1995; BAIRD, Patricia A. Altering human genes: social, ethical, and legal implications. Perspectives in Biology and Medicine, Chicago n. 37, [v.4], p. 566-575, Summer 1994; JENKINS, Jean, WHEELER, Vera, ALBRIGTH, Lana. Gene therapy for cancer. Cancer Nursing, New York, v. 17, n. 6, p. 447-456, 1994; FROTA PESSOA, Oswaldo. Quem tem medo da eugenia? Revista USP, São Paulo, p. 44, dez./fev. 1994-1995. Dossiê genética e ética. DULBECCO, Renato. A terapia gênica. O Correio da Unesco, Rio de Janeiro, n. 11, p. 12-16, nov. 1994; BEBÊ tratado com gene passa bem após 2 anos. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 31 maio 1995. Ciência, p. 12; CRIANÇAS que se submeteram à terapia genética passam bem. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 21 out. 1995. Ciência, p. 11.


[30] AZEVÊDO, Eliane S. Terapia gênica. Bioética, Brasília, v. 5, n. 2, p. 157, 1997. Simpósio: Ética e genética.

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Princípios da Bioética

Texto contido em:
MOTA, Sílvia M. L. Da bioética ao biodireito: a tutela da vida no âmbito do direito civil. 1999. 308 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil)–Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999. Não publicada. [Aprovada com distinção].


Introdução

O principialismo[1] nasceu fundamentalmente da constatação de ser o mundo atual um mundo secularizado, politeísta, no qual não se pode mais ter como referência fundamentos seguros, definitivos e a-históricos.[2] Esse é um dos argumentos centrais pelo qual a análise dos princípios tem, neste trabalho, o referencial da bioética principialista. Pergunta-se, entretanto: podem os princípios funcionar como regras?

1 Princípios: noções conceituais

Existem princípios morais básicos e irredutíveis através dos quais se expressam obrigações prima facie.[3] Desvinculam-se da obrigatoriedade e não guardam caráter de absolutos, admitindo, portanto, exceções de acordo com as circunstâncias específicas.

Os princípios, segundo H. Tristam Engelhardt, podem funcionar como regras: “[...] talvez como regras gerais que guiam o investigador a fazer um enfoque particular da solução de um problema. Se não fundamentais, são pelo menos úteis, servindo para indicar as fontes de áreas concretas de direitos e obrigações morais.”[4] Podem igualmente cumprir uma função de justificação. Neste sentido são princípios, começos ou origens de determinadas áreas da vida moral.

As respostas à problemática suscitada pelos avanços biomédicos fundamentam-se em princípios que são uma ampliação dos antigos princípios de ética médica. Frequentemente abordados pelos autores anglo-saxônicos[5], são referidos como princípios de justiça, de não-maleficência, de beneficência e de autonomia[6] e visam estabelecer a diferença existente entre respeitar a liberdade e garantir os interesses mais legítimos das pessoas.

A criação nos Estados Unidos da Comissão Nacional (National Commission for the Protectio of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research) respondeu, por algum tempo, à urgência de se dar uma resposta ética às novas questões, estabelecendo alguns princípios ou critérios objetivos que intentavam respeitar as consciências individuais. O Relatório Belmont que reconheceu as conclusões desse primeiro estudo aludia aos quatro princípios que se tornaram clássicos no desenvolvimento posterior da bioética.

2 Princípio de Justiça

É necessário, para definir o princípio da justiça, recorrer à velha definição do jurista romano Ulpiano: ius suum unicuique tribuens, que significa dar a cada um o seu direito. Normalmente interpretado pelos diversos autores através das exigências da justiça distributiva[7], suscita inúmeras ponderações em torno da dificuldade de distribuir justamente os recursos disponíveis, que são limitados ou escassos.

De alguma forma está o princípio de justiça insinuado no Juramento de Hipócrates ao rechaçar a sedução de livres e escravos e se encontra claramente presente na Declaração de Genebra, que afirma: “Não permitirei considerações de religião, nacionalidade, raça, partido político ou categoria social para mediar entre meu dever e meu paciente.”

O Relatório Belmont, em 1978, profere ser o princípio de justiça uma questão de imparcialidade na distribuição dos riscos e dos benefícios. Mas aí surge a pergunta: quem é igual e quem não é igual, já que os homens têm diferenças de todo tipo? Quais considerações justificam afastar-se da distribuição igualitária?

Mais uma vez, a essas inquirições, é amplamente aceita a resposta do Relatório Belmont ao indicar: a cada pessoa uma parte igual; a cada pessoa de acordo com a sua necessidade; a cada pessoa de acordo com o seu esforço individual; a cada pessoa de acordo com a sua contribuição à sociedade; a cada pessoa de acordo com o seu. A ideia é compensar as desvantagens eventuais rumo à igualdade.

3 Princípios de Não-Maleficência e Beneficência

Esses princípios estão na base do Juramento de Hipócrates e têm sido centrais na ética médica clássica.

O Juramento contém, em parte, o chamado princípio da não-maleficência, que equivale a um princípio ético enunciado em latim e cuja origem não é clara: o de primum non nocere, cujo significado indica antes de tudo, não causar dano. Beauchamp y Childress consideram-no um princípio independente visto que o dever de não causar dano é mais obrigatório e imperativo que o de beneficência, que vem a ser a exigência de promover o bem do enfermo, formulado como o dever de não infligir dano a outros. O princípio de não maleficência propõe a obrigação de não infligir dano intencional[8] e abarca também o dever de não só infligir danos atuais, mas também o de prevenir riscos de danos futuros. Assumir graves riscos implica a existência de objetivos importantes que os justifiquem. Ao se falar de bioética, presume-se que os males não sejam aqueles morais, mas, embora não exclusivamente, dizem respeito sobretudo aos males corporais, como as dores, doenças, morte, entre outros. É possível violar o dever de não-maleficência sem agir com malícia e sem querer provocar o dano. Nesse caso, engloba-se também a omissão.

No âmbito do princípio de não-maleficência serão tratados o princípio do duplo efeito, da totalidade, do mal menor e dos meios ordinários e extraordinários. O primeiro, o duplo efeito, é aquele segundo o qual, em determinadas e bem estremadas circunstâncias, é legítimo que uma ação tenha duas consequências: uma positiva e outra negativa. O efeito danoso é indireto e não propositado, sendo necessário que o agente pretenda, intencionalmente, apenas o efeito bom e não o mau. Este é tolerado, mas não procurado.[9] O efeito mau não pode ser meio para alcançar o bom, porque o fim não justifica os meios.[10] O princípio de totalidade surge do confronto entre a parte e o todo; da maior plenitude de significado que o todo possui com relação à parte. Numa situação de conflito é necessário preferir o todo.[11] O princípio do mal menor será aplicável nos casos em que todos os efeitos de uma ação inevitável serão negativos. Quando é forçoso agir, deve-se escolher o mal menor. O princípio dos meios ordinários e extraordinários era, tradicionalmente, usado pela moral católica. Hoje, prefere-se falar de meios opcionais e obrigatórios ou de meios proporcionais e desproporcionais. Demarca se um ato, do qual resulta a morte, é entendido como matar e especialmente como um matar culpável. Serve para estabelecer se a recusa dos meios chega a ser um delito.[12]

O princípio da beneficência, em seu sentido etimológico de fazer o bem, está incluído no Juramento de Hipócrates, tanto nas obrigações do médico, como em sua afirmação de que “[...] estabelecerei o regime dos enfermos de maneira que lhes seja mais proveitosa e sobretudo, na exigência de que em qualquer casa que entre, não levarei outro objetivo que o bem dos enfermos.” A Declaração de Genebra, de 1948, sintetiza de forma lapidar este princípio tradicional da praxis médica ao propor que “[...] a saúde de meu paciente será minha primeira preocupação.” O Relatório Belmont não distinguiu claramente entre beneficência e não-maleficência e se embasava em duas normas: a de não causar dano e a de extremar os possíveis benefícios e minimizar os possíveis riscos.

Beauchamp y Childress afirmam que o princípio de beneficência estabelece a obrigação de que um indivíduo X traga bem a Y, se forem satisfeitas as seguintes condições: Y está ameaçado de uma perda significativa para vida ou saúde ou de algum outro interesse maior; a ação de X é necessária (única ou em conjunto com outra) para impedir estas perdas e danos; a ação de X (única ou em conjunto com outra) provavelmente evitará o referido dano ou perda; a ação de X não implicaria riscos, custos ou responsabilidades para X; o benefício que poderá receber Y compensará amplamente os danos, custos ou responsabilidades que possa sofrer X.[13] Em decorrência, muito além dos riscos considerados mínimos para X, tratar-se-á de uma ação virtuosa, que supera o campo da obrigação. Assim, para que o princípio de beneficência seja obrigatório deve haver um cálculo de custos e benefícios, que não é extremamente complexo ou difícil de ser ponderado. A maior crítica ao princípio de beneficência é o perigo do paternalismo.

4 Princípio de autonomia

O princípio de autonomia não aparece de forma alguma no Juramento de Hipócrates, dando mostras de que o pensamento hipocrático ditava as exigências éticas que o médico era chamado a cumprir, ficando insensível aos direitos do paciente, que devem ser observados e respeitados pelo profissional da saúde. Da mesma forma, nada se lê na Declaração de Genebra que remeta a tal princípio.

Reconhecida através dos tempos, mas colocada em evidência no século XX, é a liberdade um dos valores máximos do ser humano. O princípio de autonomia significa o reconhecimento dessa liberdade de ação, desde que o indivíduo, movido pelas suas próprias razões, não produza danos a outrem. Prevê uma atitude autorresponsável, que se mostra atrelada ao contexto cultural, pois os seres humanos são motivados pela visão que possuem do mundo.

O grande conflito para o reconhecimento do princípio em destaque, surge no momento crítico em que o indivíduo enfrenta os seus próprios interesses[14], os direitos de um terceiro[15] ou quando na situação concreta deve-se negar-lhe essa autonomia.[16]

O Relatório Belmont denomina o princípio de autonomia como respeito pelas pessoas e afirma que incorpora, ao menos, duas convicções éticas: “[...] primeira, que os indivíduos deveriam ser tratados como entes autônomos, e segunda, que as pessoas cuja autonomia está diminuída devem ser objeto de proteção.” O ser humano é um ente autônomo capaz de deliberar sobre seus objetivos pessoais e atuar sob a direção desta deliberação. Respeitar a autonomia é “[...] dar valor às opções e eleições das pessoas assim consideradas e abster-se de obstruir suas ações, a menos que estas produzam um claro prejuízo a outros.” Mostrar falta de respeito por um agente autônomo “[...] é repudiar os critérios destas pessoas, negar a um indivíduo a liberdade de atuar segundo tais critérios ou furtar informação necessária para que possa emitir um juízo, quando não há razões convincentes para isso.” Dessa forma, a autonomia em seu sentido concreto vem a ser a “[...] capacidade de atuar com conhecimento de causa e sem coação externa.” Não se refere aqui ao conceito de Kant do homem como autolegislador[17], mas no sentido de que o que aconteça com o paciente deverá passar sempre pelo trâmite do consentimento informado.[18]

Para H. Tristam Engelhardt, o princípio de autonomia considera a autoridade para as ações que implicam a outros, derivada do mútuo consentimento que envolve os implicados. Em consequência, sem esse consentimento não há autoridade para fazer algo sem levar em conta o outro. As ações praticadas contra tal autoridade são culpáveis, pois violam a decisão do outro e, portanto, são puníveis. Com esse raciocínio, formula a máxima: “[...] não faça a outros o que eles não fariam a si mesmos e faça por eles o que te comprometeste em fazer.”[19]

Conclusão

Investigar os princípios aqui assinalados significa uma forma prática e útil de examinar as questões de bioética, mas não se pode perder de vista os seus limites. Determinadas concepções não poderão ser impostas, coativamente, ao paciente, mesmo que pressuponham a ideia de igualdade. Abrigar a todos sob o manto da igualdade é a essência do princípio de justiça que, aliado à beneficência e autonomia, configura um mínimo ético estabelecido com a intenção de abordar os conflitos que surgem das novas descobertas no campo biomédico. Esses princípios são acolhidos pelos pensadores europeus, embora não seja possível tantas vezes atingir um ponto em comum com seus respectivos conteúdos.

A versão da bioética que prevalece na atualidade, sugere uma simplificada esperança: a de que os problemas plantados pela nova biotecnologia se reduzam a meros algoritmos morais que se resolverão com a aplicação de princípios elementares. Discorrer sobre autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça converteu-se em tópico, mas esses princípios, per si, não oferecem as chaves para a detecção do que seja mais importante ou primordial, nem possibilitam determinar quando e como devem ser aplicados aos casos concretos. A interminável variedade da conflitualidade humana sempre deflagra desafios inéditos. Por tal motivo, para além de ensinar bioética, é necessário facilitar o raciocínio bioético e para que isso seja alcançado faz-se imperativo considerar o contexto cultural e valorativo no qual se pratica o referido raciocínio.
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Notas


[1] O principlism normalmente é traduzido por principalismo, mas José Luiz Telles de Almeida propõe a tradução como principialismo para evitar a derivação de principal e marcar a derivação de princípios. ALMEIDA, 1999, p. 55.


[2] SCHRAMM, 1997, p. 227-240.


[3] A teoria dos princípios prima facie foi exposta por David Ross em sua obra The right and the Good. O autor defendeu a existência de uma série de princípios morais básicos e irredutíveis que expressariam obrigações prima facie, isto é, não teriam caráter obrigatório ou absoluto admitindo, assim, exceções de acordo com as circunstâncias específicas. O dever prima facie é uma obrigação a ser cumprida, salvo se entrar em conflito, numa situação particular, com um outro dever de igual ou maior porte. Um dever prima facie é obrigatório, salvo quando for sobrepujado por outras obrigações morais simultâneas. ROSS, 1930, p. 19-36.


[4] ENGELHARDT JR., 1996, p. 103.


[5] Sobretudo a partir da publicação, em 1978, do The Belmont Report, editado pela Comissão Nacional para Proteção de Pessoas Humanas na pesquisa biomédica e comportamental.


[6] A mais importante obra sobre o tema, Enciclopedia of bioethics, não faz menção expressa a esses princípios. Contudo, ampla exposição, será encontrada em: BEAUCHAMP, 1994, p. 120-394; ENGELHART JR., 1996, p. 102-134.


[7] Beauchamp e Childress entendem-no como sendo a expressão da justiça distributiva. O termo justiça distributiva “[...] refere-se à distribuição justa, equitativa e apropriada na sociedade determinada para justificar normas que estruturam os termos da cooperação social. Seu âmbito inclui as políticas que distribuem benefícios e responsabilidades diversas tais como a propriedade, os recursos, os impostos, os privilégios, e as oportunidades. As várias instituições públicas e privadas são envolvidas, incluindo o governo e o sistema de saúde. O termo justiça distributiva é usado às vezes amplamente para se referir à distribuição de todos os direitos e responsabilidades na sociedade.” (BEAUCHAMP, 1994, p. 327). Frankena, em 1963, se perguntava: “Quais são os critérios ou princípios de justiça? Estamos falando de justiça distributiva, justiça na distribuição do bem e do mal [...] A justiça distributiva é uma questão de tratamento comparativo de indivíduos. Teríamos o padrão de injustiça, se ele existe, num caso em que havendo dois indivíduos semelhantes, em condições semelhantes, o tratamento dado a um fosse pior ou melhor do que o dado ao outro [...] O problema por solucionar é saber quais as regras de distribuição ou de tratamento comparativo em que devemos apoiar nosso agir. Numerosos critérios foram propostos, tais como: a) a justiça considera, nas pessoas, as virtudes ou méritos; b) a justiça trata os seres humanos como iguais, no sentido de distribuir igualmente entre eles, o bem e o mal, exceto, talvez, nos casos de punição; c) trata as pessoas de acordo com suas necessidades, suas capacidades ou tomando em consideração tanto umas quanto outras.” (FRANKENA, 1981, p. 61-62). A obra de Rawls é, sem dúvida, um trabalho sobre ética de enorme relevância nos últimos tempos. O autor concebe a justiça como equidade e reinterpreta a tradicional divisão da justiça em comutativa e distributiva, baseando-se nos princípios da liberdade e o princípio da diferença. O primeiro refere-se à justiça comutativa e foi assim edificado: “[...] cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras.” De acordo com esse princípio, cada pessoa deve ter a mais ampla liberdade, que deve ser igual a dos outros e a mais extensa possível, na medida em que seja compatível com uma liberdade similar de outros indivíduos. O segundo, relaciona-se à justiça distributiva e se expressa da seguinte forma: “[...] as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos.” As desigualdades econômicas e sociais serão de tal modo combinadas que correspondam à expectativa de que deverão trazer vantagens para todos e que sejam ligadas a posições e órgãos ao alcance de todos. O primeiro princípio garante as liberdades básicas expressando a primazia pela liberdade, o que indica que só poderá ser estremada a serviço da própria liberdade. O segundo princípio se aplica à distribuição de renda e riqueza ou oportunidades, constituindo-se na prioridade da justiça diante da eficiência do bem-estar. Busca, Rawls, associar justiça com liberdade e justiça com desigualdade. São princípios independentes e não se pode defender um às custas do outro. Inadmite-se troca de liberdades básicas por ganhos econômicos e, igualmente, jamais poderá ser sacrificada a liberdade, a não ser para criar mais liberdade. Rawls advoga uma igualdade democrática que compreende a equitativa igualdade de oportunidade e a existência de desigualdade. Daí o sentido de justiça como equidade. A igualdade de condições no acesso às oportunidades deverá ser concedida a todos, sabendo-se, entretanto, que o resultado será sempre desigual. A desigualdade será aceitável como justa apenas quando trouxer vantagens para todos, a começar dos mais desfavorecidos pela sorte. RAWLS, 1997. Ver também: PESSINI, 1996, p. 44-46.


[8] BEAUCHAMP, 1994, p. 189.


[9] À luz desse princípio será lícita a ablação do útero canceroso de uma grávida de um feto ainda não viável, pois o que se pretende é a vida da mãe, tolerando-se a morte do feto que resulta, inevitavelmente da ablação do útero. Ao contrário, o princípio do duplo efeito não se aplicaria a uma craniotomia, também para salvar a grávida, pois sendo a destruição do crânio o meio para obter a salvação da mãe, esse meio é desejado e não apenas tolerado.


[10] Com base neste princípio, admite-se a administração de altas doses de medicamentos com o objetivo de minorar o sofrimento de um paciente, mas que poderão ter como efeito indesejado a sua morte.


[11] No campo da medicina, é o exemplo da amputação de um membro ou de um órgão, quando é necessário intervir na integridade física do corpo humano, lesando uma parte para o bem de todo o corpo da pessoa.


[12] Princípio aplicável, caracteristicamente, à eutanásia (morte piedosa).


[13] BEAUCHAMP, 1994, p. 266.


[14] Por exemplo, o Testemunha de Jeová que repele uma transfusão de sangue vital.


[15] É o caso da eutanásia ou o suicídio.


[16] Surge aqui a obrigação social de proteger os indivíduos para que possam expressar seu consentimento, antes que outros tomem atitudes contra eles e de proteger os débeis e os que não podem consentir por eles mesmos. Por exemplo, os menores, os deficientes mentais, ou quando um enfermo encontra-se em estado completo de inconsciência.


[17] O pensamento de Kant direciona-se à capacidade do sujeito para governar-se por uma norma que ele mesmo aceita sem coação externa, uma norma que deve ser universalizada pela razão humana. KANT, 1989, p. 34, n. 351.


[18] As atividades de vacinação em muitos países onde a ocorrência das doenças preveníveis por imunização é bastante baixa requerem a utilização do consentimento esclarecido, além da existência de dispositivos legais prevendo a compensação por acidentes associados ao uso de agentes imunizantes. O enfoque dado para o mesmo problema em países como o Brasil, onde a morbimortalidade resultante de tais doenças é ainda bastante elevada, leva em conta todas as formas possíveis de reduzir os obstáculos à vacinação. É claro, o dano quase nunca é deliberado, mas o risco de provocá-lo não é nulo, cabendo ao pesquisador ou autoridade sanitária antecipá-lo, utilizando os conhecimentos disponíveis, bem como colocando indivíduos e grupos a par dos riscos envolvidos. Pode-se também ressaltar que o dano não se resume à esfera da dor e às lesões físicas, mas pode alcançar o universo psicológico do indivíduo.


[19] ENGELHARDT JR., 1996, p. 123.


Referências

ALMEIDA, José Luiz Telles de. Respeito à autonomia do paciente e consentimento livre e esclarecido: uma abordagem principialista da relação médico-paciente. 1999. 129 f. Tese (Doutorado em Ciências da Saúde)-Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 1999.

BEAUCHAMP, Tom L., CHILDRESS, James F. Principles of biomedical ethics. 4. ed. New York: Oxford University, 1994. 546 p.

ENGELHART JR., H. Tristam. The foundations of bioethics. 2. ed. New York: Oxford University, 1996. 446 p.

FRANKENA W. K. Ética. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. 143 p.

KANT, Immanuel. À paz perpétua. Tradução por Marco A. Zingano. Porto Alegre: L&PM, 1989. 85 p. Tradução de: Zum Ewigen Frieden. (Série Filosofia Política).

PESSINI, Léo, BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas atuais de bioética. 3. ed. rev. ampl. São Paulo: Loyola, 1996. 551 p.

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta, Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 708 p.

ROSS, W. David. The right and the good. Oxford: Clarendon Press, 1930. 176 p.

SCHRAMM, Fermin Roland. Da bioética privada à bioética pública. In: FLEURY, S. (Org.) Saúde e democracia: a luta do CEBES. São Paulo: Lemos, 1997, p. 227-240.

Bioética: origens do novo saber

Texto contido em:
MOTA, Sílvia. Da bioética ao biodireito: a tutela da vida no âmbito do direito civil. 1999. 308 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil)–Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999. Não publicada. [Aprovada com distinção]. Atualizado em 2016.


Tal como acontece com as grandes descobertas, diversas disciplinas, diversas metodologias, diversas circunstâncias disputam a glória de ter dado nascimento à bioética e não obstante a origem recente do vocábulo, escolhe-se por dizer que tem a bioética suas raízes plantadas num lugar remoto, tão vetusto quanto a Medicina, próximo a Hipócrates e ao seu Juramento, cujo fraseado plasmou a mentalidade médica em todo o Ocidente.

Os antecedentes

O Juramento Hipocrático, marco histórico da medicina, foi estabelecido na Grécia, no início da era cristã, pela Escola de Cós e, ainda hoje, representa o compromisso formal do médico para com a sociedade.

Outras culturas possuem documentos com importantes pontos de contato com o conteúdo do juramento hipocrático. Pode-se citar o chamado Juramento de Iniciação, Caraka Sambita, do século I a.C., procedente da Índia; o Juramento de Asaph, dentro do mundo judeu, provavelmente do século III-IV d.C., e o Conselho de um Médico, do século X d.C., procedente da medicina árabe. Dentro da cultura chinesa, Os Cinco Mandamentos e as Dez Exigências, de Chen Shih-Kung, médico chinês do começo do século XVII, que constitui a melhor síntese de ética médica dessa cultura.[1]

Esses documentos possuem quatro pontos coincidentes: em primeiro lugar, o primum non nocere - antes de tudo, não causar dano; a afirmação da santidade da vida; a necessidade de que o médico alivie o sofrimento e, finalmente, a santidade da relação entre o médico e o enfermo, que se reflete, sobretudo, no fato de que o médico não pode revelar os segredos conhecidos em sua relação com o enfermo nem se aproveitar sexualmente dele.

A obra Medical Ethics (Ética Médica) de Thomas Percival, no início do século XIX, tornou-o conhecido como o pai da ética médica. Este trabalho nasce como resposta a uma situação em que as tensões entre os médicos, especialmente por motivos de competência profissional eram muito intensas. Ainda nesse período, as primeiras associações ou colégios médicos em diversos países sobrelevam os interesses pelos aspectos éticos da medicina. Da mesma forma, surgem os primeiros códigos deontológicos, que sintetizam desde os valores inspirados pela ética hipocrática até às obrigações que devem ser observadas pelos médicos.

Os abusos na experimentação em seres humanos, o surgimento das novas tecnologias impondo questões inéditas e as percepções da insuficiência dos referenciais éticos tradicionais foram considerados e analisados em colóquios internacionais consagrados aos direitos humanos, às ameaças, aos danos submetidos ou às possíveis proteções.

Cita-se o exemplo da época nazista como um ponto crítico na história, que levou 23 médicos alemães a sentarem-se no banco dos réus do Tribunal de Nuremberg (1947), sendo que 16 foram declarados culpados e sete condenados à morte. Por resultado desse julgamento veio à luz o Código de Nuremberg[2], declaração com dez pontos específicos sobre o que seria lícito em procedimento de pesquisa médica, que inclui o consentimento voluntário e informado, a capacidade das pessoas para o referido consentimento, os benefícios decorrentes para a sociedade e o desenvolvimento da pesquisa de forma a evitar o sofrimento das pessoas envolvidas. O Tribunal de Nuremberg permanece na consciência coletiva, como um marco das ocorrências vergonhosas e inaceitáveis para a história da humanidade, ocorridas na Segunda Grande Guerra Mundial, referência indispensável para a compreensão da ética biomédica contemporânea.

A partir de então, nasceram diversas declarações, como consequências importantes das crises que assolaram o mundo, motivadas pelo desígnio comum de proteção da pessoa em risco e que incidiram essencialmente sobre as condições éticas da experimentação humana.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada em 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, é testemunho de uma nova mentalidade e conduz ao estabelecimento de necessária consciência individual e coletiva no que diz respeito ao valor do ser humano e às condições indispensáveis para o seu desenvolvimento.

Também, em 1948, a Declaração de Genebra, anunciada na 1ª Assembleia da Associação Médica Mundial, significa a atualização da ética hipocrática após as brutalidades detectadas na II Grande Guerra Mundial.

Em 1949, na Segunda Assembleia Mundial, adotou-se um Código Internacional de Ética Médica, inspirado na Declaração de Genebra e nos códigos deontológicos de inúmeros países.

A Declaração de Helsinque, primeiramente apresentada em 1964, pela Associação Médica Mundial, sofreu várias revisões, tendo sido a última em 1984. Refere-se também à elaboração de Diretrizes Éticas Internacionais para a Pesquisa envolvendo Seres Humanos pelo CIOMS e com a colaboração da OMS, em 1993. A Declaração encontra-se na sétima versão.[3]

Declarações outras surgiram, cada vez mais específicas, sobre a prestação dos cuidados na saúde. Entre essas, destaca-se a Declaração dos Direitos dos Deficientes Mentais, de 1971 e a Declaração dos Direitos dos Limitados Físicos, de 1975 – ambas aprovadas pela Organização das Nações Unidas (ONU). Relevante destacar a Declaração sobre a Eutanásia, documento religioso elaborado pela Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, nos idos de 1980, a Declaração sobre os Direitos do Doente ou “Declaração de Lisboa”, elaborada pela Associação Médica Mundial em 1981, que se fez acompanhar da Declaração de Veneza, relativa aos pacientes terminais e adotada pela 35ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial, em outubro de 1983 e a Declaração de Madrid, sobre a Eutanásia, adotada a partir de 1987.

A discussão bioética

Entre os biólogos que deram início à reflexão no terreno da bioética erguem-se os nomes de Willard Cayling e Daniel Gallahan, criadores do Hastings Center (Institute Of Society, Ethics and the Life Sciences), e André Hellegers, que fundou o Kennedy Institute (The Joseph and Rose Kennedy Institute for Study of Human Reproduction and Bioethics) na Universidade de Georgetown e propalou o termo bioethics com a intenção de aplicá-lo à ética da medicina e ciências biológicas.

No Hastings Center, em 1969, pretendia-se averiguar o que a sociedade deveria fazer em relação às profissões em particular, frente à transformação ditada pelos notáveis progressos das ciências biomédicas. O Kennedy Institute, criado em 1971, em Washington, objetivou no seu Centro de Bioética, o estudo dos problemas relacionados aos recém-nascidos com graves anomalias genéticas, experimentação humana, transplantes de órgãos, manipulação genética, controle de conduta, aborto, direito à vida, à morte, moribundos e outros. Em 1982, sob o apoio da Federação Internacional das Universidades Católicas, criou-se no Kennedy Institute um grupo internacional de estudos de investigação interdisciplinar das ciências biomédicas, da psicologia e da teologia, com o objetivo de enfrentar o desafio originado do rápido desenvolvimento dos conhecimentos da biologia e medicina e seu impacto sobre o pensamento do Homem em relação a si mesmo e ao seu futuro.

A reunião de Asilomar ocorrida em 1975, assume posição ímpar na história da bioética, pois, pela primeira vez em público, os homens da ciência tomavam conhecimento do seu poder e das consequências do mesmo, esforçando-se: “[...] por medir esses poderes, por medir essas consequências, por fortificar as consequências felizes e por limitar as consequências perigosas.”[4] Em 1977, percebe Robert Mallet - um grande poeta - a importância da revolução científica, e compreendendo a gravidade e a novidade dos problemas concernentes ao homem e também o seu caráter mutável, funda em Sorbone o Movimento Universal da Responsabilidade Científica, com a preocupação de analisar as novas indagações.[5]

Sucedem-se ainda os balbucios, as tomadas de consciência, que levam a bioética a tornar-se um domínio importante da reflexão humana. Adotam-se formas diversas em vários países, inclusive no Brasil[6], através de comissões de ética, associações, colóquios ou congressos, mas torna-se necessário observar, antes de tudo, a aplicação dos princípios fundamentais que nortearão as novas circunstâncias.
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Notas

[1] GAFO FERNÁNDEZ, 1997. p. 12.
[2] TRIALS... 1949, v. 10, n. 2, p. 181-182.
[3] WORLD..., 2016.
[4] idem.
[5] BERNARD, 1990, p. 25.
[6] Existem diversas iniciativas florescentes de bioética, em instituições públicas ou privadas em diferentes pontos do país, entre eles: Sociedade Brasileira de Bioética - SBB; Conselho Federal de Medicina, Brasília; Núcleo Interinstitucional de Bioética, Universidade Federal do Rio Grande do Sul/Hospital de Clínicas de Porto Alegre - UFRGS/HCPA; Núcleo de Estudos de Bioética da Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre; Instituto Oscar Freire, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Núcleo de Estudos em Bioética, Universidade de Brasília; Alfonsianum, São Paulo; Centro Universitário São Camilo, São Paulo; Rede de Informação sobre Bioética, Belo Horizonte; Escola Nacional de Saúde Pública, FIOCRUZ. (BIOÉTICA..., 1998, p. 188-189).


Referências

BERNARD, Jean. Da biologia à ética: novos poderes da ciência, novos deveres do homem... 104268/5671 ed. Tradução por Cristina Albuquerque. Mira-Sintra: Europam, 1990. 263 p. (Estudos e documentos, 268). Tradução de: De la biologie à l’éthique.

BIOÉTICA no Brasil. O Mundo da Saúde, São Paulo, v. 22, n. 3, 188-189, maio/jun. 1998.

GAFO FERNÁNDEZ, Javier. 10 palabras clave en bioetica. 3. ed. actual. Navarra: Verbo Divino, 1997. 385 p. (Colección 10 palavras clave en/sobre, 4).

PERCIVAL, Thomas. Medical ethics: or, a code of institutes and precepts a dapted to the professional conduct of phsysicians and surgeons. London: J. Johnson & R. Bickerstaff, 1803.

TRIALS of war criminal before the Nuremberg Military Tribunals. Control Council Law 1949, v. 10, n. 2, p. 181-182. Library of Congress: federal research division: military legal resources, USA.gov. Disponível em: https://www.loc.gov/rr/frd/Military_Law/NTs_war-criminals.html. Acesso em: 4 out. 2016.

WORLD MEDICAL ASSOCIATION DECLARATION OF HELSINKI: Ethical Principles for Medical Research Involving Human Subjects. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Disponível em: http

Bioética: a nova disciplina

Texto contido em:
MOTA, Sílvia M. L. Da bioética ao biodireito: a tutela da vida no âmbito do direito civil. 1999. 308 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil)–Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999. Não publicada. [Aprovada com distinção].
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Jovem modalidade de conhecimento, nasce a bioética de uma interrogação fundamental que o homem se faz sobre o influxo do desenvolvimento da biologia molecular no seu próprio futuro. Neologismo derivado das palavras gregas bios (vida) e ethike (ética), é o estudo sistemático das dimensões morais - incluindo visão, decisão, conduta e normas morais - das ciências da vida e da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar. Coloca-se como o suporte da vida no futuro, através do inspirado palavrear de Van Rensselaer Potter, professor de oncologia da Universidade de Wisconsin, em sua obra clássica Bioethics: brigde to the future: “Eu proponho o termo Bioética como forma de enfatizar os dois componentes mais importantes para se atingir uma nova sabedoria, que é tão desesperadamente necessária: conhecimento biológico e valores humanos.”[1] Ainda que o referido autor não tenha, inicialmente, atribuído ao novo termo o conteúdo que atualmente lhe é auferido, certo é que, a partir de então, começou-se a designar por bioética o conjunto de preocupações, discursos e práticas que surgiam e que se vieram a estruturar num novo saber.[2] Tratou assim, a nova disciplina, de unir os valores éticos com os biológicos, servindo de ponte entre as duas culturas das Ciências e Humanidades, por séculos apartadas, em razão da resistência de grande parte dos filósofos em aceitar os avanços dos cientistas e suas tentativas de estabelecer um liame entre a conduta ética do homem e sua descendência natural.

Inicialmente, o novo termo se referiu fundamentalmente aos problemas do meio ambiente, sob a influência do ambientalismo e da ecologia no final dos anos sessenta. Mas, logo a seguir, concentrar-se-ia nos problemas inerentes ao núcleo central da biomedicina, de tal modo que a atuação da bioética tem sido vista por Andrew C. Varga como a disciplina que estuda a moralidade da conduta humana na área das ciências da vida.[3]

Com o surgimento, nos meados dos anos setenta, da engenharia genética, os cientistas viram-se chamados a serem os protagonistas daquela nova disciplina, considerando a respeito do que se poderia e deveria fazer para sobreviver e o que não deveria ser feito, se o objetivo fosse manter e melhorar a qualidade de vida do planeta. Não era mais possível à moral médica contentar-se em levar em conta, como vinha a fazer - mesmo que esporadicamente - as regras de Hipócrates, tais como a generosidade, compaixão, devoção e desinteresse, então insuficientes. As recentes evoluções terapêutica e biológica alteraram não só o destino dos doentes como concederam ao homem o domínio da reprodução e da hereditariedade. O destino do mundo passou a depender “[...] da integração, preservação e extensão do conhecimento que possui um número reduzido de homens que, somente agora, começam a se dar conta do poder desproporcionado que possuem e quão enorme é a tarefa a realizar.”[4]

A bioética é um ramo da filosofia moral e, como tal, uma forma de conhecimento que pretende analisar o fenômeno científico conhecido como experimento genético ou engenharia genética. Em um sentido amplo, pode ser definida como o conjunto de questões com uma dimensão ética originada pela intervenção das novas tecnologias em qualquer âmbito da vida orgânica.[5] O dilema ético estabelece-se no instante em que benefícios e danos não se deixam facilmente delimitar e controlar. O tecnicismo traz inúmeros benefícios, mas pode também desencadear situações de risco para a vida dos seres humanos. Esses não são independentes das influências do mundo experimental[6] mas, havendo desconformidade entre benefícios e possíveis riscos, coloca-se em questão a viabilidade das técnicas manipuladoras, ou se pede um mínimo de responsabilidade, de controle, e uma progressiva diminuição dos riscos no ato da experimentação.[7]

A nova biotecnologia introduziu alterações de tão diferentes escalas, objetos e consequências, que o quadro da ética anterior já não pode contê-los.[8] Necessário redefini-lo no contexto suscitado pelas emergentes questões no campo da saúde e da vida humana.

Como em todo fenômeno histórico complexo, as causas que dão origem aos problemas gerados pelo desenvolvimento da técnica biomédica são múltiplas e o grau de alcance de cada uma destas causas, em cada um dos indivíduos da sociedade, é extraordinariamente variável.[9] Seria, contudo, improdutível, mesmo porque impossível, estancar o curso do conhecimento[10], embora sejam detectados vestígios de mudança que devem levar em consideração os agentes responsáveis pelos erros provenientes de determinadas ações. É nesse momento que surge a bioética, propondo estudar a moralidade da conduta humana no campo das ciências da vida.[11] Inclui a ética médica, mas vai além dos problemas clássicos da medicina, quando leva em consideração os problemas éticos erigidos pelas ciências biológicas, os quais não são primeiramente de ordem médica e nem regulados pelo Código de Ética Médica. Não é para ser entendida como um gênero de conselho moral e não tem como objetivo fornecer respostas para questões particulares. É, antes, uma nova disciplina orientada a buscar a correta aplicação dos novos conhecimentos, com a única finalidade de melhorar a qualidade de vida da espécie humana e de garantir a sua supervivência. Essa condição a liberta de ser um código normativo, deixando-a livre para considerar o mérito de cada uma das questões inerentes à vida e à saúde humanas, face aos avanços das ciências biomédicas.[12] Cabe-lhe, portanto, identificar na estrutura da prática científica uma normatividade imanente e fundamental, que pode operar como mediação entre a ordem dos fatos e uma ordem dos valores éticos, a qual se descobre a partir da interação entre o ato e o objeto do conhecimento científico.[13] Seu objetivo é ser para a humanidade um caminho onde razão e zelo sejam par constante na dança da evolução biológico-cultural.

O surgimento da bioética deve-se, em grande parte, ao fracasso da tradicional ideia de neutralidade axiológica da Ciência.[14] Sua natureza é neutra, do ponto de vista ético, pois toda descoberta ou todo novo avanço científico não são bons nem maus por natureza, mas sim em relação à finalidade a que se destinam. Na realidade, atualmente a Ciência perde o caráter de inocência que se desvirgina frente ao cientista para entregar-se definitivamente aos interesses e valores. Dessa forma, iguala-se a qualquer outra atividade humana.

REFERÊNCIAS

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[2] ARCHER, Luís. Fundamentos e princípios. In: ARCHER, Luís, BISCAIA, Jorge, OSSWALD, Walter (Coord.). Bioética. Lisboa: Verbo, 1996, p. 17.
[3] VARGA, Andrew C. Problemas de bioética. ed. rev. Tradução por Guido Edgar Wenzel, S. J. São Leopoldo: Usininos, 1990, p. 13. Tradução de: The man issues in bioetjics.
[4] ROA, Armando. La tecnologizacion de la medicina y la bioetica. Boletin del hospital San Juan de Dios, [s. l.], v. 40, n. 1, p. 4, ene./feb. 1993.
[5] MIRANDA, Carmen María García. Perspectiva ética y jurídica del proyecto genoma humano: especial referencia a la patentabilidad de genes humanos. [Coruña]: Universidade da Coruña, 1997, p. 18. (Monografías, 45).
[6] BERNARD, Claude. La science expérimentale. 6. éd. Paris: J.-B Baillière et Fils, 1918, p. 41.
[7] “Recentemente, um estudante perguntou-me como é que eu me comportaria se fizesse uma descoberta potencialmente perigosa para a coletividade. Respondi-lhe que parava a pesquisa, limpava e esterilizava cuidadosamente o laboratório, destruindo a substância em causa. Depois, escrevia uma carta para a Science para informar do acontecido os colegas biólogos e os leitores em geral para solicitar uma discussão sobre o assunto entre todas as pessoas interessadas. Os cientistas devem dar provas de um grande estilo de responsabilidade.” DULBECCO, Renato, CHIABERGE, Riccardo. Engenheiros da vida: um prémio nobel fala do nosso futuro. Tradução: Maria Helena V. Picciochi. Lisboa: Editorial Presença, 1990, p. 97. (Limiar do Futuro, 18). Tradução de: Ingegneri della vita.
[8] JONAS, Hans. Ética, medicina e técnica. Tradução por Antônio Fernando Cascais. Lisboa: Vega, 1994, p. 37. [Tradução do original em alemão].
[9] SERANI M., Alejandro. Desafíos eticos de la técnica biomédica contemporánea. Revista Chilena de Cardiologia, Chile, v. 13, n. 1, p. 22, ene./mar. 1994.
[10] “Um perigo que sempre ronda os meios científicos, diz respeito à possibilidade de surgirem propostas de proibições generalizadas com relação às pesquisas e práticas biomédicas que possam vir a ter seus reais objetivos distorcidos. Neste sentido, é indispensável que as regras e as leis que dispõem sobre o desenvolvimento científico e tecnológico sejam cuidadosamente elaboradas.” GARRAFA, Volnei. Direito, ciência e bioética. O Mundo da Saúde, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 126, mar./abr. 1998.
[11] VARGA, Andrew C. Problemas de bioética. ed. rev. Tradução: Guido Edgar Wenzel. São Leopoldo : Usininos, 1990, p. 13. Tradução de: The main issues in bioethics.
[12] SEGRE, Marco. Definição de bioética e sua relação com a ética, deontologia e dicelogia. In: SEGRE, Marco, COHEN, Claudio. (Org.). Bioética. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1995, p. 25. (Coleção Fac. Med. USP, 2).
[13] VAZ, H. C. L. Escritos de filosofia II: ética e cultura. São Paulo: Loyola, 1988, p. 208.
[14] MIRANDA, Carmen María García. Perspectiva ética y jurídica del proyecto genoma humano: especial referencia a la patentabilidade de genes humanos. [Coruña]: Universidade da Coruña, 1997, p. 20. (Monografías, 45).

Engenharia Genética

Texto contido em:
MOTA, Sílvia M. L. Da bioética ao biodireito: a tutela da vida no âmbito do direito civil. 1999. 308 f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil)–Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999. Não publicada. [Aprovada com distinção]. Referências à Internet atualizadas em 2016.

Introdução

A Engenharia Genética é tema polêmico. Sua prática provoca discussões éticas, pois baseia-se em modificação de material genético natural (produção de organismos geneticamente modificados – OGMs) ou sua clonagem. A contenda é relevante, porque expõe a opinião pública à comunidade científica, acendendo reflexões sobre a solução para as dificuldades atuais ou futuras. Sendo assim, faz-se necessário conhecer o seu significado para compreender como e de que forma pode contribuir para o estabelecimento de efetivo benefício à vida no Planeta Terra.

Interface entre Filosofia e Ciência

A irrefreável euforia advinda das descobertas na seara genética sucumbiu à previsão da história do percurso das ideias - nas ciências como na arte - em sua narração de que nunca se leva impunemente a exploração de um conceito ou de uma metodologia à expressão máxima sem que um sentimento de saturação não acabe por substituir a plenitude do momento inicial. Assim, não escapou também a biologia molecular ao flexuoso curso da história, defrontando-se, no início dos anos 70, com um período de crise, ao permitir que os quesitos essenciais ao homem fossem desterrados ao esquecimento, com o fantástico progresso dos biólogos moleculares.

A nível filosófico, encontrava-se a ideia de que tudo seria estreitado a um indefectível determinismo genético à mercê de programas pré-determinados sobrevindos de vantagens seletivas aglomeradas no decorrer da evolução celular. Numa exaltação ao fatalismo científico, incita Jacques Monod - prêmio Nobel de Medicina, em 1965 - os seus contemporâneos, à celebração das virtudes de uma austera ética do conhecimento, pois que a ciência ignora os valores e a concepção do universo por ela imposta e é desprovida de qualquer ética.[1]

A nível científico, repeliu-se a biologia molecular por não atingir as necessidades biológicas essenciais do homem, relegando-o ao esquecimento, assim como a sua saúde, seu bem-estar e sua biosfera. A crítica referia-se ao lado obscuro da aquiescência de vários cientistas quanto a cultivar a ciência pela ciência, visando apenas a evolução dos conhecimentos sem preocupação com o resto.

Entre 1950 e 1970, os objetivos das ciências da vida raramente abrangeram os domínios da aplicação. O prazer intelectual subjugara as necessidades clamadas pela realidade. Essa crise levou Erwin Chargaff, bioquímico austríaco, ao pessimismo autodestruidor de declarar, quando interrogado sobre a contribuição da biologia fundamental para a medicina, que aqueles recentes progressos - deleite de todos -, à exceção dos antibióticos, em nada resultara no plano prático, pois o fosso entre as ciências fundamentais e a terapêutica tornava-se cada vez mais evidente.[2] Entretanto, as pesquisas estenderam-se com o interesse de determinados biólogos pela categoria particular de agentes virais responsáveis por cancro nos animais.

Deflagração do novo processo científico

O DNA foi descoberto em 1869 pelo bioquímico suíço Johann Friedrich Miescher (1844-1895), discípulo do professor Ernst Felix Immanuel Hoppe-Seyler (1825-1895), que desenvolveu vários estudos importantes, principalmente no que se refere à hemoglobina. Mas, não se conhecia a estruturação tridimensional do DNA - e nem como poderia ser sua configuração molecular.

No dia 7 de março de 1953, Francis Harry Compton Crick e James Dewey Watson, a partir do laboratório Cavendish, na Inglaterra, concluíram que a molécula do DNA tem a estrutura de uma dupla hélice, descoberta que ofereceria novos rumos à ciência, na busca pelas origens da vida. Desde então, a biologia molecular tornou-se essa ciência que, na atualidade, traz à cena, entre outras possibilidades, a transgênese, a cisgênese, a genômica e a possibilidade da clonagem reprodutiva.

Em 25 de abril do mesmo ano, a revista Nature publicou o artigo Molecular Structure of Nucleic Acids: a structure for deoxyribose nucleic acid[3] (Estrutura Molecular dos Ácidos Nucleicos: a estrutura do ácido desoxiribonucleico), sob a autoria dos dois cientistas, primeiro de uma série sobre o tema, que começava da seguinte forma: “Nós desejamos sugerir uma estrutura para o sal do ácido desoxiborribonucleico (D.N.A.).” Com menos de mil palavras e um gráfico simplificado, o artigo descrevia a fantástica descoberta da estrutura molecular do DNA.[4] Ao final, os autores ressaltaram a participação ideológica de Maurice Hugh Frederick Wilkins e Rosalind Franklin. Espalhou-se a notícia: “Pesquisadores do Cavendish Laboratory de Cambridge descobriram o segredo da vida”.

Diversas foram as críticas acadêmicas direcionadas aos cientistas. Quando Erwin Chargaff leu o artigo de Watson e Crick na revista Nature, escreveu o seguinte comentário, em carta de 8 de maio de 1953 destinada a Maurice Wilkins: “O perigo nessas generalizações prematuras consiste que podem aniquilar trabalho experimental decente, embora os que perpetraram essa hipótese estejam dispostos a abandoná-la com a mesma leviandade com que a sugeriram.” No fim de 1953, Francis Crick visitou Erwin Chargaff, na Universidade de Columbia, e este manifestou-lhe que o primeiro trabalho na revista Nature fora interessante, mas o segundo trabalho, sobre as implicações genéticas, definitivamente não era bom.[5] J. N. Davidson, autor de um texto sobre ácido nucléico, The biochemistry of the nucleic acids[6], com várias edições, duvidava que o DNA carregasse a informação genética. Na edição de 1963, escreveu: “[...] tem-se comprovado um assunto de certa dificuldade para encontrar provas que confirmem essa hipótese.”[7]

Em decorrência do artigo publicado em 1953, James Dewey Watson foi laureado no ano de 1962 com o Nobel de Fisiologia ou Medicina, juntamente com Francis Harry Compton Crick e Maurice Hugh Frederick Wilkins. A conquista teve por base as pesquisas de Rosalind Franklin, particularmente na "Foto 51", que foi basilar para a determinação correta da estrutura e função do DNA, o que permitiu aos cientistas confirmarem a dupla estrutura helicoidal da molécula do DNA. A cientista morreu em 1958 e o Prêmio Nobel não lhe pode ser atribuído postumamente.[8]

Uma grande polêmica instaurou-se com a revelação de que a “Foto 51” fora mostrada a Watson por Wilkins, colega de pesquisa da cientista, sem a sua autorização. Segundo muitos historiadores e biógrafos de Franklin, a importância do seu trabalho não foi devidamente reconhecida por Crick e Watson, o que teria gerado a indesejável consequência de que o trabalho empírico de Franklin ficasse à margem da história. O argumento que se apresenta é o seguinte: como os dados empíricos fundamentais para a construção do modelo da dupla hélice do DNA foram obtidos por Franklin, então ela deveria merecer um reconhecimento maior do que lhe é dispensado.

Sobre o evento, escreve Marcos Rodrigues Silva, Professor Doutor do Departamento de Filosofia, Universidade Estadual de Londrina, Brasil:
 [...] Naturalmente, é necessário o registro de que Watson e Crick foram, para dizer o mínimo, pouco generosos em seu reconhecimento da importância dos dados de Franklin para a dupla hélice. Mas o que é espantoso é que toda uma tradição de pesquisa historiográfica tenha sido construída a partir de uma atitude de falta de reconhecimento científico.[9]
Ao largo das controvérsias, com a revolucionária descoberta, o mundo científico inaugurava uma nova Era.

A Era Genômica

A Era da Engenharia Genética, propriamente dita, iniciou em 1970, quando Howard Temin e David Baltimore expuseram, simultânea e independentemente, que vírions de retrovírus contêm transcriptase reversa. Amotinaram o mundo científico ao colocarem em questão que a informação dos genes não se passava senão num sentido - do ADN para o ARN. A enzima descoberta por Temin e Baltimore transformou o ARN em ADN dando origem à transcriptase invertida ou inversa, pelo qual passou a ser designada.[10] Dessa forma, o celebrado dogma central da biologia molecular: ADN->ARN->proteínas[11] estava seriamente comprometido. Notável, mas de caráter demasiadamente científica, essa descoberta não logrou qualquer simpatia do público, o que não a impediu de ser, para os biólogos moleculares, a primeira fenda a revelar que o desenvolvimento da biologia molecular do gene não chegara ao fim. A segunda, no início simples tecnologia, afrontou pouco a pouco o determinismo biológico[12], dando origem à recombinação artificial mais tarde conhecida por Engenharia Genética, técnica caracterizada por um conjunto de processos que permitem a manipulação do genoma de microrganismos vivos com a consequente alteração das capacidades de cada espécie.[13]

A Engenharia Genética permite ao cientista transmutar os organismos, não apenas em sua superfície ou nos seus detalhes, mas também na substância do caráter instintivo e transmissível que o individualiza: o genoma. Não significa o surgimento de mais uma indústria, mas a criação de uma tecnologia usada em nível de laboratório. Permite ao cientista alterar o aparato hereditário de uma célula viva, de modo que venha a produzir mais eficientemente uma variedade de produtos químicos, ou então desempenhar funções totalmente novas. A célula modificada, esta sim é, por sua vez, usada na produção industrial que se escuda apenas num limite: a imaginação dos cientistas.

O primeiro ADN recombinante (ADNr)[14] foi construído em 1972 por Paul Berg, da Universidade Stanford, Califórnia, juntamente com David Jackson e Robert Symons, e, nessa mesma Universidade, em 1973, Stanley Cohen e Herbert Boyer, de São Francisco, multiplicaram-no. Em 1974, os referidos cientistas criaram ADNrs até mesmo pela transferência de ADN do sapo africano Xenopus laevis, dotado de garras, para a Escherischia Coli, bactéria encontrada nos intestinos humanos.[15] Verificaram os estudiosos, que os genes estavam ativos nas bactérias depois de várias gerações, reproduzindo-se rapidamente, e que poderiam ser utilizadas para produzir genes de grandes mamíferos em larga escala. Ainda que a experiência abrisse as portas para uma nova forma de perpetrar o melhoramento genético e o desenvolvimento de variedades, despontaram os temores sobre se havia correção e segurança no que se fazia dentro dos laboratórios de ADN recombinante. A preocupação de que as pesquisas dos engenheiros genéticos estivessem prestes a desencadear uma praga de bactérias mutantes cancerígenas, fez com que a própria comunidade científica se inquietasse e, em julho de 1974, determinasse uma moratória na manipulação genética, a fim de esquadrinhar os riscos.

Foi assim, que no mês de fevereiro de 1975, juntaram-se cerca de duzentos dos mais eminentes biólogos moleculares de todos os países, numa reunião no balneário de Asilomar, na costa do Pacífico, no evento denominado The Asilomar Conference on Recombinant DNA Molecules (Conferência de Asilomar sobre a Recombinação Molecular do DNA), para examinar essas questões.[16] Duas conclusões valiosas foram sacadas: pôr um fim à moratória e divulgar as condições de limitação à utilização das técnicas do ADN recombinante, sancionando-se determinadas normas mínimas de segurança.[17] Assim, por volta de 1976, teve início a publicação das famosas guide-lines pelo National Institute of Health e, aos poucos, em quase todas as instituições similares, impondo regras de autolimitação para os biólogos.[18]

Os enunciados dessas regras não serenaram os oponentes da Engenharia Genética, que a entendiam como profanadora da natureza e das suas leis, ao brincar na zona limítrofe da espécie humana, aventurando-se a engendrar monstros.

Pouco a pouco, o temor pela Engenharia Genética cedeu lugar a uma atitude que dependia muito mais de uma nova Bioética. Atualmente, as inquirições e expectativas continuam face às novas esperanças oferecidas pela investigação médica.[19] Biologia e biólogos moleculares implicam-se numa interrogação mundial posta ao impacto das novas tecnologias, onde a única certeza é a de que a pesquisa não terá validade se não demonstrar e cultivar a boa consciência.[20]

Aplicação da Engenharia Genética

Através da manipulação gênica, o cientista não estava na década de 70 e nem está hoje brincando de Deus, como sugeriu a jornalista June Goodfield[21], mas, acima de tudo, volta-se para a melhoria das condições de vida no planeta. Essas intenções se verificam por meio das tecnologias desenvolvidas em laboratório e que permitem a manipulação dos genes nas diversas áreas abaixo salientadas.

Indústria de produtos fármacos – criação de vacinas, enzimas e bactérias geneticamente modificadas. Genes humanos podem ser introduzidos em bactérias, para que estas produzam enormes quantidades de uma determinada substância. Por exemplo, alguns hormônios, como a insulina ou o hormônio do crescimento, usados para o tratamento de enfermidades.

Procedimentos médicos – mapeamento da sequência genômica das espécies animais (incluindo o ser humano) e os vegetais; clonagem terapêutica, com a utilização de células embrionárias para reconstituição de tecidos e órgãos humanos (permite salvar vidas e reduzem o tempo de espera para um transplante, além de ser a esperança para a cura de muitas doenças); - testes genéticos (permitem detectar doenças e identificar pessoas); - terapia genética (reparação ou substituição dos genes que provocam doenças); - planejamento familiar: diagnóstico pré-natal (testes genéticos que permitem descobrir se os fetos têm ou não problemas genéticos) e fecundação in vitro (união artificial do núcleo do espermatozóide com o do ovócito).

Produção de alimentos utilizando Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) – insere-se num organismo um gene específico para que se possa adquirir a característica desejada como por exemplo: a) tomate e morangos resistentes a baixas temperaturas; b) milho geneticamente modificado e conhecido como BT, resistente ao ataque de alguns insetos; c) soja, provavelmente o alimento transgênico que existe em maiores quantidades pelo mundo; d) arroz dourado, fortalecido com vitamina A; e) galinhas sem penas.

Depreende-se do exposto, que o principal avanço da Engenharia Genética consiste na capacidade de criar espécies novas a partir da combinação de genes de várias espécies, ajustando também suas características. Sendo assim, apresentam-se como vantagens da utilização de OGMs:
  • Melhoramento nutricional dos alimentos - importante para a subnutrição nos países subdesenvolvidos, que têm uma fraca alimentação, deficiente de vitaminas.
  • Benefícios econômicos para os agricultores - menor gasto em herbicidas, pesticidas, maquinaria e aumento da colheita.
  • Produção de compostos com ação farmacológica.
  • Resistência a determinados fatores ambientais e a pragas.

Especialistas advertem que atrás das melhoras e novas aplicações da biotecnologia, também se escondem riscos de notável importância e apontam como inconvenientes da utilização de OGMs:
  • Alergias alimentares - formação de novas proteínas.
  • Eliminação da biodiversidade.
  • Dependência de um pequeno número de empresas.
  • Possibilidade de transferência gênica para outras plantas com efeitos não desejáveis (pode afetar espécies benéficas).
  • Desconhecimento das consequências a longo prazo.

Para além dos benefícios apresentados, a Engenharia Genética é relevante na investigação acadêmica básica, a qual provê a pesquisa aplicada de subsídios operacionais em áreas que são fundamentalmente science intensive.
Legislação brasileira

No território brasileiro, o controle legal da Engenharia Genética foi inaugurado no art. 225, §1º, II da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, que exara o dever do Poder Público em preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e à manipulação de material genético. Além disso, cabe-lhe controlar os métodos, atividades e comercialização dos produtos ou substâncias que possam causar danos ao meio ambiente, que incluem os relacionados à manipulação genética.

A primeira proposta de uma lei de biossegurança foi apresentada em 20 de novembro de 1989, pelo então senador Marco Maciel e, por mais de cinco anos, o projeto tramitou no Congresso. A população científica não apresentou contribuição significante e a proposta vagou por todo esse período sem nenhuma alteração essencial, a não ser por ocasião da proposta apresentada pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), em 24 de outubro de 1994. O marco legal da Biotecnologia brasileira firmou-se em 5 de janeiro de 1995, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou o Projeto de Lei, dando origem à Lei n° 8.974, que estabelece normas de segurança para o uso de técnicas de Engenharia Genética, destinadas à construção, cultivo, manipulação, transporte, comercialização e consumo de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs). Pela Medida Provisória n° 1.015, de 29 de maio de 1995, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTBio), cuja criação pelo Poder Executivo foi autorizada pela citada lei para sua implementação, passou a integrar a estrutura do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Através do Decreto n° 1.752, sancionado no dia 20 de dezembro de 1995 pelo vice-presidente da República, senador Marco Maciel, então no exercício da presidência, regulamenta-se a Lei n° 8.974. Além da finalidade de regulamentar a Lei da Biossegurança, o referido decreto dispõe sobre a vinculação, competência e composição da CNTBio. Esta, composta por representantes do Executivo, do setor empresarial que atua em Biotecnologia, de representantes dos interesses dos consumidores e de órgão legalmente constituído de proteção à saúde do trabalhador, foi designada pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República em decreto de 2 de abril de 1996. A partir de então, foi constituída no Brasil a infraestrutura legal e institucional para o exercício dos princípios que devem regular a Biossegurança, relativa ao uso e à liberação no meio ambiente de produtos transgênicos.[22]

Conclusão

A melhoria da qualidade de vida é o objetivo prático da pesquisa biotecnológica. A indefinição quanto aos limites das possibilidades da sua aplicação prática não impede que se disponha, no momento, de tecnologia altamente promissora para a solução de problemas de diversas naturezas. Na área médica, objeto da minha Dissertação de Mestrado, as aplicações são importantes em diversos setores, tais como no diagnóstico e na terapia genética.

Salienta-se, que na ausência de uma manipulação ou utilização consciente, legal e ética dos recursos oferecidos pela Engenharia Genética, o patrimônio genético estará em risco. Por esse motivo, a comunidade científica, o Poder Público e o corpo social consciente devem fiscalizar a aplicação das novas técnicas, assim como os efeitos dos seus resultados e produtos. Quando detectados cientificamente perigo ou danos ao meio ambiente e consequentemente à vida humana, devem-se utilizar os mecanismos legais de proteção através da ação civil pública, sobrelevando-se um dos mais importantes princípios do Biodireito: o Princípio da Precaução.


Notas
[1] MONOD, 1970, p. 220-225.
[2] CHARGAFF apud GROS,  1986, p. 219.
[3] WATSON; CRICK, 1953, p. 737-738.
[4] A representação a que chegaram Crick e Watson é a de uma longa molécula, constituída por duas fitas enroladas em torno de seu próprio eixo, como se fosse uma escada do tipo caracol. A ligação entre elas é feita por pontes de hidrogênio, que são ligações fracas e, por tal motivo, rompem-se com facilidade, ficando as bases nitrogenadas com o papel de corrimão de uma escada circular.
[5] Cf. ARIAS, 2004. 22 p.
[6] DAVIDSON, 2016.
[7] Cf. ARIAS, idem.
[8] No site da revista Nature consta uma página sobre a cientista. ROSALIND, 2016. Outras publicações a respeito do tema: MADDOX, 2003, p. 407-408; ELKIN, 2003, p. 42-48.
[9] SILVA, 2010, p. 69-92.
[10] COSTA, 1987, p. 13.
[11] WATSON, 1970, p. 330-331. Ver também: HERZBERB; REVEL, 1973, p. 51-52. Ver também: CLARK, 1980, p. 23-24.
[12] A multiplicidade de interpretações biológicas para o comportamento do indivíduo foi destruída de modo notável na obra de LEWONTIN; ROSE; KAMIN, 1984. 334 p. Os três autores desenvolvem lúcidas e sólidas argumentações contra o determinismo biológico, que pretende atribuir às ações diretas dos genes todos os aspectos que caracterizam a vida mental do ser humano, a estrutura e conduta das sociedades humanas, o grau de inteligência, o sucesso individual ou coletivo, a existência de raças, classes e indivíduos superiores e inferiores, entre outras questões.
[13] CANDEIAS, 1991, p. 3.
[14] A Lei brasileira nº 8.974, de 5 janeiro 1995, assim define moléculas de ADN/ARN recombinante: "[...] aquelas manipuladas fora das células vivas, mediante a aplicação de segmentos de ADN/ARN natural ou sintético que possam multiplicar-se em uma célula viva, ou ainda, as moléculas de ADN/ARN sintéticos equivalentes aos de ADN/ARN natural.”
[15] A Escherischia Coli é uma bactéria encontrada pela primeira vez nas fezes de um menino, em 1888, pelo doutor Theodore Escherich. LEE, 1994, p. 110. Essa bactéria habita o intestino humano em imensas quantidades. Suas células são pequeniníssimos bastões com cerca de dois milionésimos de um metro (2 micrometros) de comprimento e metade disso de diâmetro. No entanto, é um organismo extremamente conveniente como objeto de estudo para um geneticista: é unicelular, multiplica-se rapidamente e uma solução aquosa contendo apenas glicose e alguns sais minerais é suficiente para permitir-lhe o desenvolvimento. WILKIE, 1994, p. 69.
[16] Para ler o relatório original na íntegra: SUMMARY..., 1975. Ainda, sobre a Conferência de Asilomar: LÓPEZ MORATALLA; SANTIAGO, 2016.
[17] DÍAZ MÜLLER, 1994, p. 17-51.
[18] Eis as regras: a) regra da declaração obrigatória: é vedado conduzir qualquer experiência que apelasse para as recombinações in vitro, sem a referir a comissões de ética dependentes das autoridades ministeriais competentes e mesmo das instituições locais; b) regras de confinamento mínimo, de natureza biológica: não é permitido clonar qualquer gene, principalmente se este é suspeito de dirigir uma função que possa revelar-se essencial à propagação de um vírus ou que apresente uma atividade tóxica qualquer; a natureza dos vetores de transformação e mais ainda, a da bactéria receptora, devem ser geneticamente definidas; não se devem transformar senão células susceptíveis de mutações tais que a sua propagação ecológica seja tornada impossível; c) regras de confinamento, de natureza física: deve ser avaliado conforme o grau dos fatores de risco atribuído a esta ou aquela experiência. Esta, deverá ser conduzida em recintos isolados, apresentando características de confinamento proporcionais ao risco suposto. GROS, 1986, p. 241-242.
[19] “A engenharia genética está sob suspeita porque pode gerar o melhor e o pior.” LEPARGNEUR, 1998, p. 237. No compasso das inquietações, um dos mais conceituados autores da moderna literatura fantástica britânica coloca seu talento a serviço da imaginação fecunda e formula hipóteses acerca dos possíveis caminhos que a genética irá trilhar e os seus reflexos sobre aqueles que enfrentam a expectativa de viverem no século XXI. STABLEFORD, 1991. 254 p.
[20] TESTART, 1994, p. 269.
[21] GOODFIELD, 1994. 208 p.
[22] Ver a íntegra de todas as leis e decretos que institucionalizaram o sistema nacional de biossegurança, essencial ao controle e ao desenvolvimento das atividades de engenharia genética e à liberação, no meio ambiente, de organismos geneticamente modificados em: VALLE,1998. 177 p.
Referências
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CLARK, Brian F. C. O código genético. Tradução João Lúcio de Azevedo. São Paulo: EDUSP, 1980. 79 p. (Temas de Biologia, 8). Título original: The genetic code.

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